Personagem 1)
Juliana Paes, uma mulher linda, famosa, influente no meio artístico, atriz consagrada de muitas novelas, já posou nua para revistas masculinas e já fez tantos outros ensaios sensuais, tendo, inclusive, integrado uma famosa lista internacional de mulheres mais sexys do mundo.
Personagem 2)
Juliana Silva (fictício), uma mulher linda, anônima, que exerce um trabalho burocrático numa repartição pública, nunca mostrou seu corpo em público e é inclusive famosa entre os colegas por seu comportamento discreto e pelas roupas que veste, sempre muito comportadas e nada sensuais.
Pois bem. Um belo dia um famoso colunista de humor resolveu usar a
personagem 1 em sua coluna, e cedendo à obviedade de seus estonteantes atributos físicos, fez uma piada de duplo sentido dizendo que ela
"não era casta", em alusão à condição da personagem indiana vivida pela moça na novela do momento.
Muitos riram da piada. Outros, como eu, acharam-na bastante sem graça, apesar do esforço do carismático humorista. Até aí, ok... acontece com os melhores, e nem todo mundo consegue fazer piada boa todo dia.
Acontece que a
personagem 1, protagonista da piada em questão, por alguma razão que não nos cabe compreender sentiu-se
ofendida com o que foi dito/escrito, e procurou a Justiça para obter a reparação à ofensa sofrida, assim como para evitar que outras piadas fossem feitas a seu respeito pelo tal piadista.
A Justiça, por sua vez, entendeu que procedia a reclamação da
personagem 1, entendeu ser legítima a ofensa por ela alegada e penalizou o humorista com uma multa pecuniária, além de proibi-lo de citar a moça em outras piadas.
Em razão de ambos os envolvidos no incidente serem figuras públicas que estão constantemente na mídia, criou-se todo um burburinho em torno do caso, sendo que a grande maioria das pessoas posicionou-se
contra a
personagem 1 e
contra a decisão da justiça, defendendo que a liberdade de expressão deve prevalecer sempre e que a proibição imposta ao humorista era uma vergonhosa demonstração de censura.
É uma questão
polêmica, por assim dizer, e cada um tem o direito de formar sua opinião e tomar o partido que quiser.
O problema não é a posição que a maioria das pessoas tomou. O problema, meus queridos, é a
fundamentação desta posição, são os critérios que as pessoas utilizaram para chegar a esta conclusão. Este é o ponto.
Um famoso blogueiro, celebridade virtual e também real,
formador de opinião e idolatrado pelos fãs de seu programa de
*cof cof* humor ingeligente, rapidamente
abordou o assunto no seu Blog, defendendo ferrenhamente o humorista e dizendo-se indignado com a atitude da atriz e a decisão da justiça. Abre seu
post com uma fotografia sensual da atriz, e é nela que baseia todo o seu raciocínio:
Ora, se a moça já mostrou a bunda para o país inteiro, não pode sentir-se ofendida com uma mera menção em uma piada, pelo contrário: devia se sentir honrada por ser citada pelo humorista, como se a citação inclusive a elevasse a um patamar de respeito que ela perdeu no dia em que posou pelada.
Vocês entendem onde estou querendo chegar? Que P* de argumento é esse? Como pode uma pessoa supostamente descolada e
modernex, uma pessoa supostamente politizada e que briga tanto pela democracia e pela igualdade dizer uma coisa dessas? Em qual escola esse moço aprendeu o sentido de democracia? Qual foi o conceito de igualdade que ensinaram pra ele?
Obviamente estou usando o
Marcelo Tas apenas como exemplo. Porque lamentavelmente é nessa mesma linha de pensamento que a maioria dos indignados se baseou (ou, pior, foi esta linha de raciocínio que a maioria das pessoas copiou). As pessoas acham que o fato de a
personagem 1 já ter mostrado seu corpo no vídeo ou em fotos tira-lhe o direito de se sentir ofendida. Como se aquele ensaio fotográfico da
Playboy fosse o passaporte para o eterno desrespeito.
E não, não é. Cada um tem uma opinião particular sobre mulheres que vendem a imagem nua do seu corpo, e eu tenho a minha. Cada um tem uma opinião sobre mulheres que vendem o seu próprio corpo, e eu também tenho a minha. Mas considerando que vivemos num pais democrático, essas opiniões são
apenas opiniões. Que podem, sim, ser expressadas como bem entendermos, pela liberdade de expressão tão propalada, mas que
em momento nenhum tiram a legitimidade de quem quer que seja se sentir ofendido e buscar a reparação por uma ofensa.Foi isso que
Juliana Paes fez. Se para mim parece bobo processar alguém que disse apenas que ela
"não tem casta", pode não ter sido tão insignificante pra ela. E quem sou eu pra medir o tamanho da ofensa que ela sentiu? Como posso
eu saber de que maneira isso
A atingiu?
A ofensa é personalíssima, meus queridos. Só sabe a dimensão quem a sofre. Quem está de fora fica apenas no achismo, e isso muda todo o contexto do que aconteceu.
E aí vocês vão me perguntar: Onde entra a
personagem 2, a
Juliana anônima?
Pois bem... suponhamos então que a ofendida fosse a
personagem 2. Suponhamos que lá na repartição onde ela trabalha, um colega saísse dizendo para todos os outros que ela não era casta. Suponhamos que ela decidisse processar o colega de trabalho por sentir-se profundamente ofendida com a piada. E suponhamos que a justiça decidisse de forma parecida como no caso famoso.
O que vocês achariam? Ficariam também contra a moça
neste caso?
Aposto que diante de uma situação assim, isoladamente, a maioria das pessoas que agora condena a atitude da Juliana famosa defenderia o direito da Juliana anônima, porque entenderiam que esta sim, teria uma honra a zelar. O fato de a
personagem 2 nunca ter mostrado o corpo em público e ser uma pessoa discreta a tornaria legítima possuidora do direito de reparaçao por uma ofensa, ao contrário da
personagem 1.Quanto moralismo, não acham? Moralismo, machismo, preconceito, tudo ao mesmo tempo. E era aqui que eu queria chegar.
A verdade, meus queridos, é que
julgar é fácil. E seguir a onda também. Difícil é refletir e tentar manter-se coerente com aquilo em que se acredita.
Não tenho nada contra
José Simão, muito pelo contrário, gosto bastante dele, principalmente porque ele é muito carismático e bem humorado, mesmo quando (não raramente) faz piadas ruins.
Também não tenho absolutamente nada contra
Juliana Paes, muito menos contra o fato de ela já ter mostrado seu corpo por aí. Acho-a lindíssima, inclusive, e também muito carismática.
No episódio propriamente dito, tendo a achar que ela exagerou, a piada foi besta e aparentemente inofensiva, não justificaria uma medida tão extrema como o processo. Mas isso é
apenas o meu achismo. Certamente ela tem razões próprias para ter agido como agiu. E se foi ofendida, pois bem, que a Justiça repare. É assim que deve ser. Para quem já posou pelada ou não. (Igualdade, lembram?)
Pra finalizar, também não tenho nada contra o
Marcelo Tas, e trouxe o assunto pra cá porque realmente fiquei inconformada com o grau de machismo e preconceito que ele expressou no
post sobre o caso. Dizer que o fato de Juliana Paes ter posado pra fotos sensuais a torna imune a qualquer ofensa de cunho sexual é das coisas mais grotescas que ouvi nos últimos tempos.
Seria o mesmo que dizer que qualquer cidadão pode livremente bater a carteira de um político, e que sua atitude estaria justificada uma vez que o político também rouba dinheiro público. Seria o mesmo que dizer que um erro justifica o outro, ou
avalisa o outro, e não é por aí.
Quem com ferro fere, com ferro será ferido? Claro que não! Os tempos da Lei de Talião já se foram. Agora quem manda é a
democracia. Sem moralismos, sem machismo, sem preconceitos.
É isso.