domingo, 15 de fevereiro de 2009

Milk - A voz da Igualdade (Oscar 2009)

Porque é possível mudar o mundo, e algumas pessoas vão lá e mostram como.

Não faz muito tempo, escrevi aqui no Blog sobre a minha indignação com a postura conservadora de muitos políticos e uma parte considerável da sociedade que se posicionava contra a criminalização da homofobia. Minha vontade real era (é) sair às ruas protestando contra este absurdo, gritar aos quatro cantos o que eu penso sobre pessoas preconceituosas e deixar bastante claro o meu ideal de igualdade.

Obviamente minha vontade de protestar ficou (bem) limitada a um texto meia-boca aqui neste espaço, porque ir além é algo que requer dentre outras coisas coragem e determinação, e isso poucas pessoas têm de verdade. Uma pena, porque são estas qualidades que tornam qualquer mortal capaz de mudar o mundo, e a cinebiografia Milk - A Voz da Igualdade nos traz um destes retratos magníficos que marcou história e transformou vidas.

Harvey Milk (o magnífico Sean Penn) migrou para São Francisco numa época em que aquele parecia ser o lugar mais tolerante dos EUA para pessoas que, como ele, tinham uma opção sexual diferente da "padrão". E ser mais tolerante não necessariamente significa que sua opção sexual fosse livremente aceita, mas foi ali que encontrou o caminho aparentemente menos espinhoso para iniciar sua jornada, sendo que nem ele mesmo seria capaz de imaginar onde conseguiria chegar.

No início da década de 70, aos 40 anos, Milk queixava-se de não ter feito nada do que pudesse se orgulhar na vida, e num momento "virada de mesa" resolveu abrir um negócio no comércio local, que logo tornou-se uma referência para o público gay e movimentou bastante a economia da cidade.

Claro que a maioria conservadora não aprovou aquela "novidade", e não foram raros os episódios de abuso policial e de homosexuais agredidos imotivadamente, tudo em nome da moral e dos bons costumes.

Cansado de ser constantemente acuado e ver os amigos violentados por uma sociedade preconceituosa, e ciente do poder que possuía por conta de seus carisma e tino natural para a política, Harvey acabou por ingressar nesta carreira, construindo uma trajetória que, após muitas derrotas, acabou por coroada com sua eleição para um cargo legislativo em São Francisco, tornando-se o primeiro homem assumidamente gay a ocupar tal posição.

Uma trajetória que marcou a história americana principalmente por ter começado a construir um olhar diferente para os gays. E que angariou importantes conquistas à causa.

Harvey Milk foi assassinado por um adversário político em 1978, mas deixou seu legado aos colegas igualmente comprometidos com os ideais de igualdade, e frutos deste trabalho são colhidos aos poucos, até hoje.

Eis mais um forte concorrente ao Oscar de Melhor Filme deste ano. Provavelmente com menores chances que os favoritos Slumdog Millionaire e Benjamim Button, mas igualmente valioso, e se der uma "zebra" e a estatueta for para Milk, não haverá nenhuma injustiça!

Encontramos aqui um Gus Van Sant diferente daquele ousado diretor de filmes marcantes como Gênio Indomável e Paranoid Park (este último que eu assisti há pouquíssimo tempo). Aqui ele apresenta um trabalho um pouco mais tradicional, talvez porque tenha entregue ao seu protagonista a tarefa de surpreender, e Milk o faz muito bem.

Aliás, um dos méritos do filme é segurar bem a onda e não se deixar cair no lugar-comum de transformar Harvey Mlk em um santo, coisa que ele também não era. Apesar de ser uma abordagem mais superficial, várias fraquezas do protagonista são mostradas ou insinuadas aqui e ali, e isso só o aproxima ainda mais do público, tornando esta uma cinebiografia digna e respeitável.

Harvey Milk conhece aquele que foi provavelmente seu mais intenso amor - Scott (James Franco) de uma maneira totalmente casual e ousada. Logo numa sequência inicial do filme percebemos sua dificuldade de lidar com os sentimentos e com a solidão, e esta questão reaparece num outro momento, quando ele rapidamente substitui o posto do ex-amor por um novo amor. Um ser humano normal que tem suas fraquezas e, apesar da grandiosidade enquanto figura pública, era apenas um coração em busca de amor e aceitação na sua vida pessoal.

O roteiro é muito bem elaborado e mantém um ritmo bem interessante. Cenas de ficção são mescladas com cenas reais das épocas de campanha de Milk, e em determinados momentos é quase impossível diferenciar o que é real do que não é.

Sean Penn é um dos grandes atores de sua geração. Já provou isso muitas vezes, vivendo muitos personagens marcantes de todos os estilos em todo tipo de filme. Imagino que isso seja ruim para o ator, porque vai lhe tirando o fator surpresa filme após filme (a gente já meio que sabe o que esperar), mas neste Sean teve a vantagem da semelhança física com o Harvey Milk real (comprovamos isso com as várias cenas reais inseridas no filme e especialmente no final), e construiu brilhantemente o personagem sem cair no estereótipo fácil, dosando do jeito certo o estilo semi-afetado do protagonista

Aliás, justiça seja feita, o destaque nem fica só para Sean Penn. Todo o elenco é responsável por este resultado quase documental, há muita entrega por cada um dos atores envolvidos e isso fica muito claro, e torna o filme ainda mais saboroso de se assistir, porque cada gota de dedicação dos envolvidos transparece na delicadeza das cenas mais singelas até a fúria das cenas mais acaloradas.

Um filme apaixonante, uma história admirável, um legado incrível deixado por um ousado rapaz de meia-idade que teve sua vida brutalmente interrompida aos 48 anos, no auge de sua tão almejada carreira política. Até nisso há poesia, se formos ver direito... Porque o fato de Milk ter sido assassinado nas condições em que foi de certa forma mexeu ainda mais com os ativistas da causa, e talvez isso tudo - emblemático demais - seja o combustível de muita gente até hoje.

Antes de concluir, só mais uma curiosidade: Eu, particularmente, não sabia, mas a Parada Gay (que acontece em muitas cidades aqui no Brasil todos os anos) teve sua origem justamente lá em São Francisco, na época da militância de Harvey Milk.

Mais um filme na lista dos IMPERDÍVEIS. Não deixe de conferir!

INDICAÇÕES AO OSCAR 2009:.

Melhor Filme;
Melhor Diretor - Gus Van Sant;
Melhor Ator - Sean Penn;
Melhor Ator Coadjuvante - Josh Brolin;
Melhor Roteiro Original;
Melhor Trilha Sonora Original - Danny Elfman;
Melhor Figurino;
Melhor Edição.

Um comentário:

Maciel Queiroz disse...

Realmente é muito triste como em pleno século XXI algumas pessoas ainda tem a mente tão pequena ao ponto de achar que os homossexuais são um bando de doentes ou aberrações da natureza.

Esse filme mostra como, independente de opção sexual, qualquer pessoa tem o poder de mudar sua realidade, desde, claro, tenha força de vontade para tal.

E realmente Sean Penn é um grande ator e mereceu mesmo o Oscar na minha opinião, apesar da belíssima atuação de Brad Pitt como Benjamin Button.

Mais um belo post priminha! Beijos!

P.S. Dizer que aquele seu texto sobre homofobia é meia-boca é surfar um pouco na maionese Flavinha, pq vc disse apenas a absoluta verdade com a competencia de sempre, ok?