Essa é uma história no mínimo curiosa, que precisa ser compartilhada com o mundo.
Para proteger a identidade real dos envolvidos todos os nomes serão trocados, e chamaremos a protagonista de "Miss M", e sua amiga de "Miss P".
Pois bem.
Miss M acaba de sair de um ano conturbado. Problemas, problemas e mais problemas, e pouquíssimo prazer. Nenhum prazer, na verdade. Reclusão. Trevas. Trevas e mais trevas.
Sua amiga
Miss P, que não teve um ano muito diferente, consegue ser um pouco mais ousada diante da vida, e ao contrário de
Miss M não demorou pra reencontrar o prazer de viver, mesmo depois de todos os percalços de 2009.
Amigas servem (também) pra essas coisas, então
Miss P, já experiente na arte de reencontrar diversão e prazer, finalmente conseguiu tirar a amiga da toca, já que
Miss M pretende de fato fazer de 2010 um ano diferente.
Saíram. Foram para a "balada". Nada óbvio ou previsível, porém. Não "qualquer" balada. Decidiram reeditar um programão que era infalível alguns anos atrás, até porque nenhuma balada se mantém na ativa por mais de 25 anos se não tiver méritos reais. E era com isso que elas contavam.
Na pior das hipóteses teriam boa música. Ótima música.
Rock'n Roll all Night. E público seleto.
De fato.
Apesar da aura meio decadente do bom e velho
bairro do Bexiga, que não ostenta mais o movimento frenético de anos atrás, a famosa casa da Rua 13 de Maio continua a mesma.
Déjà Vu, e
Miss M, que não frequentava o lugar há anos, de repente sentiu-se segura e confiante. Em casa. Aquele sempre foi um dos seus ambientes preferidos. Aquele sempre foi o tipo de público com o qual gostava de badalar. Nada de
pitboys, exibicionistas ou megalomaníacos crônicos (à exceção de um gato pingado aqui, outro ali). Gente interessante. Gente incomum e interessante.
Quantidade de homens e mulheres num estranho desequilíbrio: muito mais homens do que mulheres.
Miss M começava a entender a insistência de
Miss P em ir especificamente àquele lugar. Isso não acontece hoje em dia em lugar nenhum do mundo, pelo que se sabe. E teoricamente, faz toda a diferença. TEORICAMENTE.
Parabólicas ligadas, potenciais alvos foram detectados, e a sintonia parecia recíproca. Olhares, olhares, olhares... Olhares, olhares e mais olhares... Olhares... OlharezzzzzzzZZZZZZZzzzzzzzzzz
Porque taí uma coisa que mudou bastante desde os velhos tempos. As pessoas olham. Trocam olhares. E param por aí. No começo, parecia interessante, divertido até, mas 2 horas depois
Miss M já estava desanimando. Se jogou na pista e cantou todo o repertório de
Pink Floyd, Led Zeppelin, The Who e outros
dinossauros em coro com a excelente banda de tiozinhos sessentões, porque, afinal, pelo menos boa música. É. Era esse o consolo.
Miss P, mais confiante e sagaz, ia mudando seu alvo de acordo com seu
feeling. É inevitável admitir que as exigências vão diminuindo com o passar da noite, mas ainda assim melhor manter alguma possibilidade viva. E a verdade é que
Miss P está certa.
Tanto que quando tudo parecia perdido e o
Rocky Balboa deixava claro que não ia sair da passividade,
Miss P encontrou um novo alvo. E foi esse alvo (proporcionalmente improvável, digamos assim), que possibilitou que ela encerrasse a noite num brilhante placar de vitória. 1 x 0. Com louvor, segundo ela mesma disse.
Enquanto isso
Miss M, já conformada com todos aqueles olhares que não viraram nada mais além de olhares, continuava curtindo o show. De repente notou a presença de algumas criaturas cuja bizarrice se destacava. E notou também que estas mesmas criaturas eram aquelas que estavam sempre por perto, rodeando-a, desde o começo da noite. Franziu a testa. Coçou os olhos e olhou de novo. Será que era ela mesma o centro das atenções das 3 criaturas mais incomuns do lugar?
Continuou dançando. Enquanto
Miss P se atracava com um moço baixinho no canto do salão.
Miss P sentada, e o mocinho em pé. Ambos do mesmo tamanho. Daí a improbabilidade proporcional antes citada. Bobagem.
Miss P tá aí pra provar pra gente que tabú é bobagem, e que derrubar paradigmas é mesmo fundamental em dias como os de hoje.
De repente
Miss M, encostada no bar tomando sua
coca-cola light, é abordada por uma criatura que a princípio lhe causou espanto, já que parecia uma criança. Ela pensou, confusa:
"Será que permitem a entrada de crianças neste lugar?". Olhando melhor, no entanto, e ainda com certo espanto, percebeu que não era criança. Era apenas um rapaz
pequenininho. Bem pequenininho. Baixinho. Magrinho. De cabelo comprido e descendência oriental. Usava óculos e aparelho nos dentes. E parecida um boneco do
Playmobil. Fofo. Parecia uma miniatura de gente. Fofo. Bizarramente fofo.
"E aí, gata, rola um beijo no japinha?", foi a abordagem do
Playmobil.
Miss M segurou o riso e tentou controlar a cara de espanto, porque sua amiga
Miss G (essa não estava in loco, mas é uma das entusiastas da volta de Miss M ao "mercado") já tinha dito que a regra fundamental é ser gentil. Sempre. Até com os
freaks.
Ela apenas sorriu meio constrangida e disse:
"Ah... é... rs... não, meu bem, não rola!". O
Playmobil ainda insistiu:
"Aposto que você nunca beijou um japinha! Não quer experimentar? Garanto que não vai se arrepender!". E
Miss M, num esforço descomunal pra manter a gentileza mais uma vez disse, com doçura:
"Tenho certeza que deve ser muito bom. Mas, não, meu bem. Não estou a fim".Largou a
coca-cola light pela metade sobre o balcão do bar e inventou uma oportuna ida ao banheiro, onde jogou umas gotinhas de água fresca na nuca e tentou recobrar o foco.
"Foco, Miss M, foco! A noite ainda não está totalmente perdida. Volte para a pista e faça a sua parte!"Voltou. Notou que o
Playmobil abordava um novo alvo (japinha persistente!), e também notou que os outros 2 esquisitões permaneciam no seu encalço. Abstraiu. Cantou acaloradamente uma de suas músicas preferidas -
"Mama, I comming home", brilhantemente interpretada pela banda de sessentões, e quando repetia o refrão com os braços ao alto, foi abordada pela criatura
freak number two:
"João e o Pé de Feijão". Um moço tão grande quanto esquisito. Grande mesmo, tipo uns
3 metros de 40 de altura. Gigante. Meio desengonçado. Quando se pôs ao lado de Miss M, que também é grande e com seu salto de 15cm ultrapassava 1,80 de altura, ficou evidente que não era um rapaz comum. Muito, muito grande. O pescoço de
Miss M doía de tanto que se retorcia para alcançar-lhe o rosto.
Pareceu gentil:
"Oi, você vem sempre aqui? Essa banda é boa, né?" - a voz soou aos ouvidos de
Miss M ainda mais
freak. Gentil, quase doce, mas meio assustadora.
"Err... oi... não, não venho sempre aqui... e sim, a banda é boa sim!",
Miss M esboçou um sorriso amarelo.
O rapaz ainda perguntou o nome de
Miss M, que mentiu chamar-se
Maria, e tentou apresentar-se, mas depois que
Miss M associou o olhar do rapaz ao olhar do king kong do filme, deu um jeito de se afastar, novamente usando a desculpa de ir ao banheiro. Era um moço muito, MUITO esquisito. Muito.
Mais gotas de água na nuca, uma longa olhada para seu reflexo no espelho, e
Miss M decide voltar à pista em sua última tentativa de fechar a noite dignamente. Já estava começando a ficar assustada com aqueles acontecimentos.
Voltou ao som de
"Can't Buy me Love", e dançava freneticamente quando o
freak number three cutucou-lhe, entregou-lhe um papelzinho dobrado e disse:
"Por favor, espere eu sair e leia".Ficou paralisada observando o moço
"X-Tudo" carregar seu pesado e enorme corpo em direção à saída do bar, de maneira totalmente desajeitada. Um moço simpático, até, e
Miss M não o classificou como
freak por conta de seus prováveis 200 quilos, nããão! Foi só mesmo pelo jeito muito estranho como ele dançava, sacudindo todas as partes sacudíveis do seu corpo até quando a música era lenta. Parecia meio fora de controle. Isso era realmente esquisito.
Miss M procurou um canto mais iluminado e leu o bilhete. Um cartão de visitas do rapaz, na verdade, com praticamente todos os dados da sua vida, e no verso algumas palavras escritas com uma letra bem bonita, mas formais demais para serem levadas a sério:
"Não sei porque travei, ao te ver tão linda nesse novo ano. Talvez uma timidez que hei de mostrar ser um engano... Como as resoluções que traçamos. Espero, sinceramente, que os planos no futuro digamos: Alcançamos. Assinado: X-Tudo".Miss M riu. Leu de novo e riu de novo. E pensou que, puxa... talvez fosse melhor guardar em local seguro o cartão do
X-Tudo. Porque, né? Nunca se sabe o dia de amanhã...
Zero X Zero, era o placar da noite de
Miss M.
"Por que mesmo o X-Tudo tinha ido embora, heim!? Podia ter esperado, né? Sei lá... de repente..." Seus pensamentos foram interrompidos por
Miss P, que finalmente desatracara-se do mocinho, porque era chegada a hora de partir. Elas deram ainda uma boa olhada ao redor, e lamentaram-se por todas as possibilidades que não vingaram. Foram ao banheiro e se observaram, diante do espelho.
Miss M inconformada com seu fracasso, tentando encontrar algum defeito em seu bonito rosto balzaquiano que pudesse justificar a atração de todos os
freaks num mesmo local, numa mesma noite.
Depois de 5 segundos de lamentações, caíram na gargalhada. E assim voltaram pras suas casas, rindo das próprias desgraças. Porque
Miss M pode até fracassar em suas tentativas de voltar à vida ativa nas baladas noite afora. Mas uma coisa ela jamais vai permitir: O aparecimento de rugas.
Então ela ri. Ri sempre. Ri de tudo.
E assim a vida fica leve, e a treva vira luz.
(...)