domingo, 27 de fevereiro de 2011

And the Oscar goes to...


Já fui uma pessoa mais disciplinada no assunto Cinema, mas há algum tempo não dou mais conta de acompanhar o ritmo frenético dos lançamentos, e muitos filmes aclamados e premiados nos últimos anos eu não vi até hoje...

Mas fiz um esforço danado nos últimos dias pra não ficar por fora do assunto Oscar 2011, e consegui ver pelo menos os 10 indicados à principal categoria - Melhor Filme, sobre os quais vou tecer brevíssimos comentários abaixo, na minha ordem de preferência, pra então depois lançar meus palpites.


CISNE NEGRO
Uma delicada e obstinada bailarina fica cara a cara com o seu próprio lado obscuro ao ser desafiada a interpretar "O Lago dos Cisnes".
Meu preferido dentre os concorrentes, é um filme ousado e corajoso especialmente por usar o elemento sexo como forma de extravazamento dos instintos mais primitivos do ser humano. Destaque para a atuação visceral de Vincent Cassel (que na minha opinião devia concorrer ao prêmio de ator coadjuvante), e para a entrega da belíssima Natalie Portman, um espetáculo à parte.









BRAVURA INDÔMITA
Uma adolescente de 14 anos quer vingar a morte do seu pai, e para isso contrata um "xerife" local para encontrar o assassino, com a condição de participar da jornada para certificar-se de que a missão será mesmo cumprida.
O principal mérito desse delicioso western dos Irmãos Cohen (que soube depois ser a refilmagem de um cássico dos anos 60) é justamente ser delicioso mesmo sendo western, um estilo que eu, particularmente, nunca gostei. As mais marcantes características dos diretores estão visíveis desde o primeiro minuto, para quem gosta do estilo ácido dos Cohen é um deleite, mas o ponto alto fica mesmo por conta do elenco, com a surpreendente atuação da jovem atriz que interpreta a menina Mattie e o carisma indiscutível de Jeff Bridges na pele do xerife beberrão Rooster.





TOY STORY 3
Brilhante continuação da saga dos brinquedos que ganham vida, neste filme temos um novo cenário, já que o menino Andy cresceu e decidiu doar seus brinquedos a uma creche. Novas aventuras serão vividas por Buzz Light Year, Woody e companhia, enquanto eles (e os espectadores) descobrem que alguns laços podem durar mais do que se imagina.
Toy Story 3 fez 10 entre 10 marmanjos chorarem no cinema. É um filme delicado, de mensagens tão profundas que em determinado momento esquecemos que estamos diante de uma animação fantasiosa e mergulhamos na "alma" dos personagens. Tudo isso sem perder a graça dos carismáticos personagens - e alguns novos impagáveis, como o boneco metrossexual Ken, e as ótimas sacadas que rendem fartas gargalhadas.





O VENCEDOR
Baseado em fatos reais, conta a história do boxeador Mikey Ward e sua luta para conquistar o título mundial que seu irmão Dicky Ward desperdiçou anos antes, quando sucumbiu ao mundo das drogas.
O maior mérito deste filme, na minha opinião, é conseguir abordar de uma maneira tão humana os conflitos familiares que envolvem os personagens, apesar do tema tão violento como o mundo do boxe. Sem dúvida é mais uma daquelas histórias de superação que já vimos em tantos outros filmes do gênero, mas temos aqui o "plus" de um elenco brilhante que seduz e comove o espectador em cada cena. Fiquei encantada com Christian Bale magérrimo e acabadérrimo na pele do irmão viciado em crack Dicky, que tem que lidar com a dura consciência de ter sido responsável por seu próprio destino infeliz sem perder o entusiasmo necessário para estimular a carreira do irmão.




127 HORAS
Baseado em fatos reais, retrata as 127 horas (ou cerca de 5 dias) que o alpinista Aron Ralston passou preso na fenda de uma montanha em Utah, com uma pedra esmagando seu braço direito.
Mais uma vez, temos uma história de superação que já é extraordinária por si só - um alpinista tendo que lidar com a iminência da morte no "meio do nada", sem que ninguém saiba onde ele está. O filme poderia cair na mesmice de vários outros de histórias similares que já foram lançados, e é aí que entra o seu grande diferencial: A maneira como o real e o imaginário do protagonista são lançados na tela, e o conflito entre lucidez e loucura que vão conduzindo-o ao desfecho extremo. Destaque também para a atuação inspiradíssima de James Franco, não àtoa indicado ao prêmio de melhor ator.





O DISCURSO DO REI
Conta a história do Rei George VI, que tem que assumir o trono após a morte do pai e a renúncia do irmão mais velho, e enfrentar seu maior inimigo: a gagueira, que o impede de discursar.
É sem dúvida um filme belíssimo, sob todos os aspectos - especialmente os técnicos. Mas ao mesmo tempo é morno, linear, por assim dizer. Seu maior mérito, com certeza, é a brilhante atuação do elenco. Colin Firth apaixonante como o Rei que usa uma falsa dureza pra esconder sua fragilidade e amabilidade. Geoffrey Rush brilhante, como sempre, protagonizando os melhores diálogos dentro de seu "consultório" enquanto quebra a resistência do Rei. E a sempre elegantérrima e quase blasé Helena Bonham Carter na pele da devotada esposa que não desiste das possibilidades apesar da resistência do marido.




INVERNO DA ALMA
Ree Dolly é uma jovem de 17 anos que tem nas costas o duro encargo de cuidar de uma família desestruturada - a mãe enlouqueceu e os 2 irmãos são ainda muito pequenos. Diante da iminência de perder a casa onde vivem - o pai, em liberdade condicional, ofereceu-a como fiança e desapareceu - Ree precisa investigar sozinha o que aconteceu para tentar salvar sua família do desabrigo.
Não tenho muito o que dizer sobre "Inverno da Alma". É um filme triste, sobre pessoas tristes com histórias tristes. Ainda não sei se gostei ou não, mas sem dúvida a jovem atriz que interpreta a protagonista é brilhante e merece muito a indicação que recebeu ao prêmio de melhor atriz!







A ORIGEM
Don Cobb é um especialista em invadir mentes humanas durante o sono, quando estão mais vulneráveis, para então extrair segredos do seu subconsciente. Recebe então uma missão desafiadora, através da qual terá que usar seu método para implantar uma ideia no subconsciente de uma pessoa, e não extrair, como faz habitualmente. Forma uma equipe de "especialistas" na engenharia dos sonhos e embarca nesta arriscada missão, com consequências surpreendentes.
"Um filme muito bem feito" é tudo que tenho a dizer sobre Inception. Gostei bastante, essa coisa meio "Ocean's Eleven" de formar um bando para traçar uma estratégia criminosa com fins maiores costuma render bons filmes, e a qualidade técnica de "A Origem" acaba colocando-o num patamar superior dentro desta "categoria".





A REDE SOCIAL
Filme que conta a história da criação do Facebook e de seu criador, o mais jovem milionário da história: Mark Zuckerberg.
Não consigo entender todo o alvoroço que rolou em torno de "A Rede Social". Na minha opinião, é um filme bem feito, etc e tal, mas apenas e tão somente isso. Uma história interessantíssima, sem dúvida, que tem ligação direta com o nosso cotidiano e por isso provoca tanto interesse, mas é apenas mais uma história, como tantas outras, contada de maneira competente. Um filme bom. Interessante. E ponto.










MINHAS MÃES E MEU PAI

Nic e Julie vêem o sossego de sua vida familiar em risco quando os filhos adolescentes decidem investigar quem é o pai biológico de ambos, concebidos por inseminação artificial. A entrada do pai na vida da família provoca abalos além dos esperados, chegando a colocar em cheque a sólida relação das protagonistas.
Eu tenho um birra muito grande com esse filme, e talvez por isso acabe sendo um pouco injusta, mas o fato é que não vejo nele méritos nem dentro do que se propõe a ser - um filme liberal que trata abertamente do casamento homossexual de maneira isenta, nem como obra cinematográfica propriamente dita. Um desperdício, aliás, já que qualquer filme com o trio de feras Annete Bening, Julianne Moore e Mark Ruffalo renderia, em tese, ótimos resultados, mas não é o que vemos aqui. Cai no clichê óbvio em vários momentos, reforça estereótipos desnecessários, e acaba não funcionando nem mesmo como entretenimento. Uma boa ideia mal desenvolvida, eu diria. Uma pena!

= = = = =

Vamos então aos meus palpites para as principais categorias:

MELHOR FILME:
Estou torcendo para: Cisne Negro
Acho que vai ganhar: O Discurso do Rei
*mas nesta categoria o achômetro tá bem equilibrado, acho que tudo pode acontecer...

MELHOR DIRETOR:
Estou torcendo para: Darren Aronofsky (Cisne Negro)
Acho que vai ganhar: David Fincher (A Rede Social)

MELHOR ATOR:
Estou torcendo para: Javier Bardem (Biutiful)
* mas nem vi o filme, e minha torcida aqui deve-se exclusivamente ao fato de eu ser fã de Javier a ponto de apostar nele "de olhos fechados"...
Acho que vai ganhar: Colin Firth (O Discurso do Rei)

MELHOR ATRIZ:
Estou torcendo para: Natalie Portman (Cisne Negro)
Acho que vai ganhar: Natalie Portman (Cisne Negro)
* Vi apenas 3 das 5 concorrentes, e dentre as 3 que vi, não tem como não dar Natalie!

MELHOR ATOR COADJUVANTE:
Estou torcendo para: Christian Bale (O Vencedor)
Acho que vai ganhar: Geoffrey Rush (O Discurso do Rei)

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE:
Estou torcendo para: Melissa Leo (O Vencedor)
Acho que vai ganhar: Melissa Leo (O Vencedor)
* esta categoria é quase uma barbada, e apesar do ótimo desempenho das concorrentes, Melissa Leo é absoluta como a mãe e aspirante a empresária dos boxeadores. Tem que levar!

MELHOR ROTEIRO ORIGINAL:
Estou torcendo para: O Vencedor
Acho que vai ganhar: O Discurso do Rei

MELHOR ROTEIRO ADAPTADO:
Estou torcendo para: Bravura Indômita
Acho que vai ganhar: A Rede Social

MELHOR FILME DE ANIMAÇÃO:
Estou torcendo para: Toy Story 3
Acho que vai ganhar: Toy Story 3

MELHOR FILME DE LÍNGUA NÃO INGLESA:
Estou torcendo para: Biutiful (México)
Acho que vai ganhar: Biutiful (México)
* e aqui é puro chute, não vi nenhum dos concorrentes! Team Javier Bardem!

MELHOR DOCUMENTÁRIO:
Estou torcendo para: Lixo Extraordinário (Brasil)
Acho que vai ganhar: Lixo Extraordinário (Brasil)
* aqui nem é chute, é torcida e pensamento positivo mesmo! rs

MELHOR TRILHA SONORA:
Estou torcendo para: 127 Horas
Acho que vai ganhar: O Discurso do Rei

MELHOR CANÇÃO ORIGINAL:
Estou torcendo para: We Belong Together (Toy Story 3)
Acho que vai ganhar: We Belong Together (Toy Story 3)

MELHOR FOTOGRAFIA:
Estou torcendo para: Bravura Indômita
Acho que vai ganhar: O Discurso do Rei


(As demais categorias são técnicas demais até para eu palpitar...)


Então é isso... hora de preparar o cafofo para assistir a cerimônia de logo mais...

Beijos Fartos, e bom OSCAR!!!

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A menina que não sabia nada.

Era uma adolescente dedicada. De origem muito humilde e anseios maiores que seu corpo graúdo. Uma menina em corpo de mulher. Sobravam-lhe sonhos e ideais, mas faltava-lhe malícia para entender o mundo cão.

Naquele ano, quando experimentava pela primeira vez na vida o prazer de ter seu próprio dinheirinho, fruto de seu primeiro trabalho com carteira assinada, ela vivia de fazer planos. Aos 14 anos recém completados, sentia-se finalmente inserida no mundo real, onde as pessoas podem celebrar datas especiais e presentear-se umas às outras, coisa que nunca acontecia antes, já que a escassez de recursos com que a família vivia era suficiente apenas para a subsistência, sem luxos e sem extravagâncias.

Naquele ano, ela mal podia esperar pela chegada do Dia das Mães. Sempre sonhara presentear sua heroína com algo especial. Sempre passava os segundos domingos de Maio frustrada por não poder dar à mãe mais do que um cartão de cartolina feito na aula de Educação Artística da escola.

Naquele ano, ela finalmente presentearia sua rainha, e a expectativa de ver a reação da mãe, surpresa com um presente "de verdade", lhe deixava inquieta de tanta ansiedade.

Era seu primeiro emprego, e a menina ganhava pouco. Tinha obrigações a cumprir, não trabalhava exclusivamente para si, então precisou traçar uma estratégia para conseguir comprar o presente ideal sem comprometer o orçamento.

Procurou a vizinha sacoleira que vendia enxoval de Ibitinga, e conseguiu um ótimo negócio: Comprou uma colcha de matelassê belíssima, toda em tons de azul e com alguns bordados delicados que lembravam muito o céu. "Darei um pedacinho do céu pra minha mãe", pensou ela, sempre sonhadora. Definitivamente este era um ótimo presente para o seu primeiro Dia das Mães "abonado".

Parcelou o pagamento em 3 vezes sem juros, e pediu à vizinha que guardasse o pacote em sua casa até o grande dia, porque fazia parte do presente o fator surpresa e a cara de espanto seguida de um largo sorriso que, tinha certeza, a mãe faria diante do presente.

Contou os dias, horas, minutos. E acordou mais cedo que o normal naquele 2o. domingo de maio, louca para proporcionar à mãe aquela emoção que, tinha certeza, seria inesquecível.

Deparou-se com os pais travando mais uma exaltada discussão na cozinha, e por um instante frustrou-se de suas expectativas de mudar a história do domingo familiar pelo menos daquela vez. Ficou um tempo observando a briga por detrás da porta, como sempre fazia, até que lhe ocorreu que era uma ótima oportunidade pra escapar até a casa da vizinha sem que a mãe notasse, e assim o fez.

Voltou pra casa com o pacote enorme e conseguiu passar pela cozinha sem que a mãe - ainda muito exaltada na briga com o pai - percebesse. Foi até o quarto, colocou o embrulho cuidadosamente no centro da cama e chamou as irmãs para compartilharem com ela o grande momento. Não conseguia evitar um sorriso maroto nos lábios, apesar do clima tenso dos berros que vinham da cozinha, e decidiu que era aquele o momento.

Muniu-se de toda a coragem que conseguiu e interrompeu a briga dos pais: "Mãe, preciso que a senhora venha até o quarto ver uma coisa". A reação, já esperada, não lhe abalou. A mãe era muito brava e não gostava de ser interrompida pelas crianças, então lançou aquele olhar cortante para a menina e apenas disse: "Não vê que estou ocupada e não tenho tempo pras suas besteiras agora?". Inabalável, a menina estufou o peito e insistiu: "Mas, mãe, é rapidinho... vem aqui!".

A mãe foi, pisando duro como lhe era peculiar, não sem antes soltar meia dúzia de impropérios que a menina nunca compreendia, mas que eram típicos do vocabulário materno quando acontecia alguma briga. Chegou no quarto, viu o embrulho sobre a cama e perguntou também com a aspereza peculiar: "O que é isso?".

A menina, sem conseguir conter o sorriso que neste momento lhe rasgava o rosto de fora a fora, disse em tom mais suave do que pretendia: "É seu presente, mãe! Feliz Dia das Mães!".

A mãe rasgou o embrulho em uma fração de segundos. Observou por uns instantes, lendo alguma informação que estava escrita na embalagem transparente. Abriu o saco plástico e tirou a colcha, ao mesmo tempo em que virava seu corpo em direção à menina para bradar:

"Você enlouqueceu, menina? Como é que você faz uma coisa dessas? Foi encher a vizinha sacoleira com o seu dinheiro, pagou caro por colcha chique que eu não preciso? Você perdeu completamente o juízo? Estamos todos aqui nesse miserê (sic!), e você vai gastar dinheiro comprando uma colcha cara que nem orna com a minha casa caindo aos pedaços? Você é realmente uma tonta! Não tô acreditando que você fez isso!"

A menina, conhecida por sua emotividade além do normal, já não conseguia conter as lágrimas. As irmãs, menores, apenas observavam a cena com os olhos arregalados, perfiladas na parede, contendo a respiração para não serem notadas e aumentarem a fúria materna E quanto mais a menina chorava, mais a mãe proferia impropérios e se exaltava, até que abriu a gaveta do criado-mudo, pegou uma tesoura e começou a picotar a colcha de matelassê azul que lembrava o céu. Em poucos minutos, ao som dos soluços da menina, a mãe transformara a colcha em um amontoado de retalhos que foram se espalhando pela cama e pelo chão.

O pai entrou no quarto, observou a cena, resmungou alguma coisa, fez um sinal desaprovador com a cabeça, virou as costas e voltou pra cadeira da cozinha;
A mãe permanecia sentada na cama, e a essa altura também chorava, como que com raiva do próprio descontrole;
A menina, desconsolada, conseguiu apenas pegar sua bolsa e sair sem rumo.

Derrubou todas as lágrimas que conseguiu naquele dia, pelas ruas desconhecidas por onde andou. Era 2o. Domingo de Maio, era Dia da Mães, era "o dia especial" tão aguardado, e a menina passou longe da mãe, chorando e tentando encontrar algum motivo pra voltar pra casa. Voltou ao anoitecer, temerosa dos perigos da noite, e nunca mais naquela casa ninguém proferiu uma única palavra sobre o ocorrido.

... ... ...

Se você conseguiu ler tudo até aqui, é provável que esteja fazendo julgamentos, especialmente à mãe da menina, algo como "onde já se viu uma mãe fazer uma coisa dessas com a própria filha", etc.

Se é algo assim que você está pensando, PARE, por favor. Devo dizer que a menina jamais permitiria que alguém sequer pensasse qualquer coisa negativa a respeito de sua mãe. Porque no fundo, a menina sempre soube que a mãe teve seus motivos pra agir daquela maneira. Porque no fundo, a menina sempre soube que a mãe tinha razão, por mais que não tenha sido feliz na maneira que escolheu para demonstrar o que queria.

Porque, sim, o que a mãe da menina queria era apenas ensinar-lhe o valor das coisas, a importância de se estabelecer prioridades, a seriedade da vida. Era amor, o mais puro amor de mãe, aquele que vem através dos carinhos mas que também vem através dos castigos. Era amor de mãe, em estado bruto e talvez um pouco fora da medida, mas ainda assim era amor.

A menina nunca contou essa história pra ninguém. Apenas as testemunhas oculares que participaram da cena sabem o que aconteceu naquele quarto humilde naquela manhã de domingo. A menina nunca falou sobre isso justamente por temer os julgamentos que fariam contra sua mãe, e se por um lado ela pôde suportar a frustração de sua tentativa de surpreender através de um presente, por outro lado jamais poderia suportar a ideia de sequer imaginar qualquer pensamento alheio que desabonasse sua rainha.

A menina carregou essa história dentro de si em todos os dias que se seguiram, e a carrega até hoje. E é claro que isso teve um peso, que foi se manifestando de maneiras diferentes ao longo dos anos. A menina desenvolveu comportamentos obsessivos, a menina desenvolveu transtornos, a menina desenvolveu compulsões, a menina traumatizou. Mas lutou a vida inteira para que ninguém nunca percebesse nada, porque, afinal, tinha que proteger a mãe de qualquer culpa.

Às vezes a menina pensa como teria sido se aquela manhã de domingo tivesse um roteiro diferente. Muitos anos já se passaram, e muitas conjecturas a menina fez. Imaginou como teria sido se não tivesse comprado nenhum presente. Imaginou como teria sido se tivesse dado apenas dinheiro à mãe. Imaginou como teria sido se tivesse comprado uma colcha branca, ao invés de uma azul que lembrava o céu. Imaginou todas as possibilidades que conseguiu. E em todas elas, a única certeza que a menina conseguiu obter foi de que sua mãe sempre lhe amou, até naquele dia em que o descontrole machucou amor.

A menina acha que ela de fato errou ao deixar de avaliar a situação da época com mais racionalidade. Hoje ela entende que não faria sentido uma colcha azul que lembrava o céu sobre uma cama que tinha latas de neston como pés e um colchão rasgado sobre o estrado. Hoje ela entende que o dinheiro gasto com aquele presente poderia ter beneficiado a família de outra maneira menos supérflua. Hoje ela entende tudo isso.

Ela só acha que talvez a mãe pudesse ter disfarçado um pouco sua insatisfação com o presente na hora, pra não frustrar a expectativa dela - porque a menina acha que esse negócio de frustrar expectativa é muito sério. A menina já pensou, inclusive, que se pudesse ousaria dizer isso à mãe. Que também pelo amor, ela podia ter correspondido a expectativa da filha. E depois, com calma, explicar-lhe por que tinha sido uma má ideia. A menina ousaria dizer à mãe que acha, inclusive, que se suas expectativas não tivessem sido frustradas ela teria aprendido outras lições além da que aprendeu pela dor daquele momento, e que nem ela e nem a mãe teriam carregado essa história tão pesada para o resto da vida.

Mas isso é o que a menina acha. É apenas o que ela acha. É apenas o que ela sente.

Expectativas

Outro dia alguém (não lembro quem) postou uma frase no twitter que era mais ou menos assim:

"A Expectativa é a mãe da Decepção".

Dei RT na frase, postei diversas outras vezes, e coisa e tal, porque, né? Taí uma grande verdade. Uma ÓBVIA verdade, aliás.

Qualquer pessoa com um único neurônio perneta sabe que criar expectativas é um erro, já que as probabilidades de se decepcionar são infinitamente maiores que as probabilidades de se surpreender. Até aí, nenhuma novidade. Eu também sei disso.

O que eu me pergunto sempre quando este assunto está em pauta é: QUEM consegue viver sem criar expectativas sobre tudo e sobre todos?

Sendo mais específica: Quando o assunto é relacionamento afetivo, QUEM consegue neutralizar totalmente as expectativas que naturalmente surgem com o envolvimento / conhecimento?

Porque racionalizar e proferir uma frase de efeito óbvia é fácil. Difícil - senão impossível - é conseguir dominar os próprios sentimentos a ponto de não criar qualquer expectativa quanto às reações do outro a tudo aquilo que fazemos, a tudo aquilo que dizemos. Aí é que são elas!

Eu, particularmente, acho que a vida por si só é uma eterna expectativa. Esperamos todos os dias acordar; Esperamos todos os dias ter forças pra trabalhar; Esperamos todos os dias que as coisas aconteçam como devem acontecer; Esperamos que o dinheiro caia na conta no final do mês; Esperamos conseguir estar perto das pessoas que amamos; Esperamos o trem, o ônibus, o metrô; Esperamos o sinal abrir pra poder seguir viagem; Esperamos poder tomar um banho quente no inverno, ou um banho frio no verão; Esperamos poder comer quando tivermos fome, beber quando tivermos sede, dormir quando tivermos sono; Esperamos acertar (porque acho pouco provável que alguém espere de fato errar), e assim por diante.

Expectativas. Todo acontecimento é precedido de uma expectativa, ainda que a expectativa fosse de que ele não tivesse de fato acontecido.

Nada disso, porém, quebra a "regra" da frase de efeito postada no início. De fato, é a expectativa que traz a decepção, e se fizermos uma rápida análise sobre o nosso dia de hoje, por exemplo, veremos que somos parte viva desta estatística. Acumulamos decepções cotidianas, sejam elas "bobagens rotineiras" como perder o ônibus que sempre pegamos, ou "grandes decepções" como aquelas que muitas vezes nos levam do céu ao inferno.

Quebrar a cara; Receber um balde de água fria; Frustrar-se; Cada um dá o nome que lhe convém, mas no fundo são apenas variáveis sobre o que mais nos machuca: Decepção.

Esperar é inerente ao ser humano. E quando falamos da relação afetiva estabelecida entre duas pessoas, essa espera é mais específica, mais direcionada.

A essência de um relacionamento desta natureza é troca. Troca de carinhos, troca de companhia, troca de beijos, troca de prazeres, troca de afeto. Logo, todo relacionamento afetivo é baseado em Expectativas constantes de satisfação, de vantagem, de benefício.

Não haveria sentido se fosse diferente, concordam? Ninguém entra voluntariamente numa relação com a expectativa de "quebrar a cara".

Eu não quero que este post fique muito longo, mas aqui cabe um parênteses. Se na vida cotidiana nem sempre temos como contruibuir diretamente para a obtenção da satisfação esperada - já que muitas vezes as coisas não dependem exclusivamente de nós, num relacionamento afetivo nós temos influência direta sobre os resultados, porque toda reação vai depender quase que exclusivamente da nossa ação, e vice versa.

E por isso é tão importante aprender o outro, entender e desvendar seus quereres, até aqueles (ou talvez principalmente aqueles) que nem sempre estão tão explícitos assim. Conhecer-nos superficialmente, já temos um monte de gente que nos conhece. Mas daquele que está ao nosso lado, como companheiro(a) de afeto no sentido mais abrangente da palavra, é natural que se espere algo além.

Apenas para ilustrar, você pode ganhar um presente que não tem nada a ver com você de um colega de trabalho, ele não necessariamente tem subsídios pra entender seus gostos e preferências, mas de pessoa amada você espera sempre ganhar o presente perfeito, porque é alguém que, ora ora, te conhece (ou deveria te conhecer) melhor do que ninguém.

Entenderam onde eu queria chegar, né?

Pois é. O que me entristece é que as pessoas de um modo geral usam cada vez mais a frase de efeito do início deste post para justificar suas atitudes decepcionantes. Têm preguiça de aprender as necessidades do outro porque estão muito mais preocupadas com as próprias necessidades, então sacam logo um "não crie expectativas" porque isso as libera do árduo exercício de ser flexível e preocupar-se pelo menos de vem em quando com as necessidades alheias. E então o relacionamento vira algo unilateral, e perde toda a sua razão de ser.

Não estou aqui dizendo que todo mundo tem que ser perfeito, ter bola de cristal pra saber o que o outro quer, nem qualquer coisa do tipo. Obviamente corremos o risco de errar muito mais do que acertar porque seres humanos são complicados, mas ainda assim, na minha modesta opinião, quando há amor, há a necessidade do esforço constante para que a decepção seja sempre a última possibilidade. Muitas vezes há a necessidade de mais do que esforço, há a necessidade de sacrifícios.

Mas o que é o amor, senão a arte de fazer sacrifícios em prol da felicidade do outro, uma vez que só a felicidade do outro é capaz de fazer quem ama verdadeiramente feliz? Eu sei, é um conceito um tanto quanto romanceado da coisa toda, mas no fim das contas é assim mesmo. Falo por mim, mas também por tudo que já vivi e por tudo que vejo ao meu redor. Exageros à parte, quando a gente ama quer ver o outro feliz, custe o que custar. Quando a gente ama, sente prazer em satisfazer as expectativas do outro.

Cada um tem um "jeito de amar", e saber identificar o amor até nas atitudes mais simples é fundamental. Mas se uma relação é baseada em duas pessoas, então estamos falando de dois jeitos, duas personalidades, dois temperamentos, dois pontos de vista, duas vontades, duas expectativas que nem sempre (quase nunca, na verdade) são iguais. Para um relacionamento ter o mínimo de harmonia, é preciso equalizar essa dualidade através de esforço mútuo e constante.

É... relacionamentos dão trabalho. Muito trabalho. E por isso só muito amor e respeito são capazes de fazê-los se manterem saudáveis, entendendo-se por saudável aquele relacionamento que é proporcionalmente bom e satisfatório - até nas mínimas coisas - para ambos. Para AMBOS.

Por isso amor é AMOR. Porque é, em tese, altruísta. Porque depende, em tese, da satisfação alheia antes da própria satisfação. Porque preocupa-se, ou deveria preocupar-se, com as expectativas do outro, e não simplesmente querer que elas não existam!

...

E para contradizer tudo que escrevi acima, eis a visão extrema do Genial Tom Zé. Talvez tudo que escrevi seja mesmo balela romântica, e ele esteja certo:

"Sem alma, cruel, cretino, descarado, filho da mãe...
O Amor é um rock, e a personalidade dele é um pagode"
=/



quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Pra que serve o Amor?

Eu podia escrever linhas e mais linhas aqui destrinchando esse assunto tão clichê, provavelmente choveria no molhado e não chegaria a conclusão nenhuma, e é por isso mesmo que vou me limitar a postar este curta-metragem com música de Edith Piaf que, além de fofíssimo, responde todas as questões.

Pra que serve o Amor?




"... o amor é uma coisa assim,
que vem não se sabe de onde e te pega de jeito..."

"... mas você, você é o último...
mas você, você é o primeiro...
...antes de você não havia nada...
com você eu estou bem..."


(Com certeza, é pra isso que serve o amor!!! =D)

Feliz Dia de HOJE pra você que AMA!!!

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Utopia Romântica

Ser o último pensamento de alguém ao adormecer, e o primeiro pensamento deste mesmo alguém ao acordar;

Ser a primeira a receber as melhores e as piores notícias;

Ser a companhia ideal para qualquer programa;

Ser o melhor cobertor no inverno;

Ser o refresco ideal no verão;

Ser a razão da melhor saudade - aquela que se pode aplacar;

Ser estudada, desvendada e, ao final, compreendida;

Ser reconhecida pelas conquistas, mas principalmente pelos esforços, mesmo se houver fracasso;

Ser admirada e estimulada;

Ser aquela com quem se deseja compartilhar sonhos;

Ser aquela com quem se deseja realizar sonhos;

Ser aquela com quem qualquer castelo de areia pareça uma fortaleza, e sem a qual qualquer fortaleza pareça um castelo de areia;

Ser alguém com quem vale à pena dividir realizações;

Ser alguém que com quem se pode dividir frustrações;

Ser a mão que ajuda a levantar e o ombro onde se escora para chorar;

Ser aquela com quem se pode falar sobre tudo, sem reservas, sem melindres, sem censura;

Ser alguém por quem vale à pena fazer sacrifícios;

Ser alguém cujos sacrifícios mereçam ser reconhecidos e valorizados;

Ser aquela cujos defeitos mereçam ser minimizados e as qualidades mereçam ser ressaltadas;

Ser raio de sol, gota de orvalho, floco de neve, brisa leve;

Ser aquela que se quer inteira, apesar dos defeitos;

Ser o abraço necessário nos momentos mais difíceis e nos momentos mais felizes;

Ser o abraço desejado em qualquer circunstância;

Ser o beijo que deixa sempre um gosto de quero mais;

Ser a presença que nunca enjoa;

Ser prioridade;

Ser essencial;

Ser o grande amor da vida de alguém.