terça-feira, 13 de abril de 2010

Desburocratizando o Amor

amor
a.mor

sm
(lat amore) 1 Sentimento que impele as pessoas para o que se lhes afigura belo, digno ou grandioso. 2 Grande afeição de uma a outra pessoa de sexo contrário. 3 Afeição, grande amizade, ligação espiritual. 4 Objeto dessa afeição. 5 Benevolência, carinho, simpatia. 6 Tendência ou instinto que aproxima os animais para a reprodução. 7 Desejo sexual. 8 Ambição, cobiça: Amor do ganho. 9 Culto, veneração: Amor à legalidade, ao trabalho. 10 Caridade. 11 Coisa ou pessoa bonita, preciosa, bem apresentada. 12 Filos Tendência da alma para se apegar aos objetos.

(definição "técnica" segundo o Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa)


Pois bem. Se nos apegarmos exclusivamente à definição técnica do dicionário, já fica bem difícil compreender plenamente o que é Amor, pois temos uma definição muito abrangente e recheada de outras palavras cujo significado também é bastante subjetivo: desejo, afeição, carinho, veneração, etc.

Definir sentimentos, aliás, é algo quase impossível. Nem sempre existem palavras capazes de traduzir sensações que são muito particulares pra cada pessoa, sensações que muitas vezes são de fato indescritíveis.

E o AMOR talvez seja o sentimento mais difícil de se definir, tanto que ao longo dos tempos é fonte de inesgotável inspiração para poetas, romancistas, escritores, compositores, etc... Porque sempre pode haver um ponto de vista diferente, sempre pode haver uma palavra nova que tente se aproximar da grandeza do que supõe-se ser o amor. As possibilidades são infinitas.

Obviamente estou falando aqui do amor no contexto de um relacionamento afetivo, porque o amor no contexto de família e amigos não está em pauta, não por enquanto.

E o que eu queria mesmo dizer, ou perguntar, ou apenas colocar em pauta para divagar com vocês é:

"Por que burocratizamos tanto o amor?"

Quero dizer, por que relutamos tanto em admitir este sentimento quando de fato o sentimos? Por que temos essa necessidade de "segurar a onda" e não dizer "Eu Te Amo" para o outro, apesar de estar sentindo todas as borboletas no estômago que deixam evidente que algo muito forte e especial está acontecendo?

"Medo de demonstrar muita entrega", alguns responderão. "Medo de abrir a guarda e ficar vulnerável no relacionamento", outros dirão. "Medo de acabar pressionando o outro e colocar tudo a perder", e mais uma infinidade de respostas invariavelmente ligadas a medos que na maioria das vezes não passam de fantasmas que nós mesmos criamos.

Porque, vejam bem, se o AMOR é algo que se sente involuntariamente, o fato de não admiti-lo não nos protege de nada! O fato de não admiti-lo é apenas uma fuga covarde, que proporciona uma falsa sensação de controle quando nada mais está sob controle.

Quando eu digo que burocratizamos o amor, estou falando disso. As pessoas criam regras pra amar. Só se pode dizer "Eu te Amo" depois de um tempo X de relacionamento. Só se pode dizer "Eu te Amo" quando o outro também estiver pronto para dizer. Só se pode dizer "Eu te Amo" quando o relacionamento parecer estável. Só se pode dizer "Eu te Amo" se for diferente de tudo que já se sentiu, e por aí vai...

Uma série de regras fakes que só enganam a nós mesmos, além de impedir que o sentimento provoque tudo aquilo que de melhor ele pode provocar: entrega total, intensidade, visceralidade.

É a supervalorização de um sentimento que acontece independentemente da nossa vontade; É a burocratização de algo que acontece de maneira natural; É a racionalização de algo que não depende em nada da razão.

Qual o sentido de viver uma relação morna quando se pode incendiar tudo com o fogo do amor?

Já falei isso aqui algumas vezes e repito: Não vejo sentido em viver uma vida "mais ou menos". O que faz a diferença de verdade é a intensidade das relações que estabelecemos, independentemente do tempo que elas durem.

E se pra muitas coisas na vida temos que ser racionais, o amor não é uma delas. Para ser vivido plenamente, aliás, o Amor precisa de doses generosas de irracionalidade, porque ele quase nunca faz sentido, e justamente por isso é tão especial.

Se o amor por si só é dos sentimentos mais lindos que se pode sentir, as sensações provocadas pela verbalização do "Eu te Amo" são indescritíveis. E a partir delas há todo um universo sem fronteiras a ser explorado, que muitos casais deixam de explorar por conta desse controle bobo que só mascara e limita uma relação que poderia ser inesquecível.

Há que se dar espaço para os sentimentos para que eles possam florir. Há que se desburocratizar o amor e admiti-lo quando ele acontecer, sem regras, sem censura, apenas deixar acontecer.

Porque tudo na vida é efêmero, e condicionar a existência do amor a algo que vá durar "pra sempre" é bobagem.

"Pra sempre" é tempo demais...

E o verdadeiro "pra sempre" é cada um dos minutos que se vive intensamente, com entrega, com verdade. O verdadeiro "pra sempre" é aquele que a gente vislumbra quando vem uma vontade louca de dizer "Eu te Amo", por mais irracional que ela pareça.

O verdadeiro "pra sempre" é o agora daqueles que amam e são amados.


Diga "Eu te Amo" sempre que tiver vontade, deixe o amor existir, não tenha medo! Não verbalizar não vai fazer com que o sentimento não exista... não vai te proteger de nada, apenas limitar possibilidades infinitas que só o amor oferece.

Porque se você sentiu vontade de dizer, então é amor.

E se é AMOR, merece ser eternizado pelos momentos inesquecíveis que pode proporcionar... Mesmo que seja apenas enquanto durar!

domingo, 4 de abril de 2010

Vitrines

Arrumando meu armário outro dia, separei uma boa quantidade de roupas que não uso mais para doar. Elas estavam ali, ocupando espaço e me dando a falsa sensação de ter muitas opções de looks para montar, algumas nunca usadas, outras bastante gastas, muitas delas que já não me servem mais.

Fui separando as peças, dobrando e empilhando, enquanto me lembrava da história de cada uma delas. Algumas roupas, coitadas, nem história tinham, foram compradas no impulso de um deslumbre e depois condenadas a viver entulhadas no meu armário bagunçado. Outras, por sua vez, tem tantas histórias que me fizeram dobrá-las e desdobrá-las muitas vezes pra ter tempo de relembrar tudo.

Terminada a arrumação, olhei para o que sobrou no armário e tive uma curiosa constatação: A maioria eram peças velhas mas de excelente qualidade, que eu já usei muito e pretendo usar muitas outras vezes ainda, os famosos clássicos que nunca saem de moda e são sempre necessários. Já na pilha do descarte, a maioria eram roupas relativamente novas, mas que já não pareciam mais ter a minha cara. Roupas que foram usáveis por um curto período de tempo de um modismo passageiro, e que hoje beiram o ridículo, a ponto de eu contestar minha sanidade quando as comprei.

Exercitando meu direito supremo de "viajar", comecei a pensar no Mundo como uma grande Loja de Departamentos, uma grande Macy's onde estão disponíveis todas as pessoas que podemos escolher para fazer parte da nossa vida.

Nessa mega loja existem pessoas expostas nas vitrines, existem pessoas em destaque nos manequins e existem pessoas que estão simplesmente empilhadas sem muito critério nas prateleiras e penduradas nas araras do fundo da loja.

Os critérios de quem define quem vai ficar exposto são altamente subjetivos e contestáveis, mas é fato que os modelos expostos nas vitrines acabam tendo mais saída, são os mais procurados, até porque contam sempre com uma produção caprichada que muitas vezes ofusca suas verdadeiras qualidades (ou falta delas).

Isso porque o ser humano adora seguir uma tendência. Adora se sentir incluído, adora fazer parte de uma onda, e muitas vezes passa por cima dos próprios valores pra se sentir inserido num grupo que ele vê como exemplo.

Por conta disso, faz compras que não faria em outras circunstâncias, influenciado pela exposição da peça na vitrine, influenciado pela suposta tendência, influenciado pelo que pega bem aos olhos dos outros, abrindo mão de ousar e ser autêntico explorando as infinitas possibilidades que reservam os itens escondidos no fundo da loja.

Criar um estilo próprio na contramão da tendência não é uma tarefa fácil. Muito mais cômodo seguir os modismos e se encaixar logo no grupo do que ser visto como desajustado simplesmente por querer ser diferente. E justamente por isso acho que vale à pena refletir:

Quantas e quantas vezes nos deixamos levar exclusivamente pelo sugestionamento da peça exposta na vitrine?

Quantas e quantas vezes cegamos diante de uma vitrine reluzente, e sequer consideramos dar uma olhada no interior da loja?

Quantas e quantas vezes abrimos mão do nosso próprio estilo pra aderir a um estilo duvidoso que por acaso está em alta naquele momento?

Quantas vezes impedimos uma pessoa de se aproximar de nós simplesmente porque ela não parece ser do modelo que se convencionou ser aceitável, ideal?

Talvez por isso eu sinta tanta falta de identidade no mundo hoje em dia... Existem poucas pessoas autênticas e muitas pessoas iguais, previsíveis, óbvias, que seguem modismos e cuja personalidade é tão firme quanto gelatina.

Voltando ao meu armário, aquele que eu estava arrumando quando comecei este devaneio, e dando mais uma olhada nas peças que ficaram, constatei que quase nenhuma estava exposta na vitrine quando foi comprada, a grande maioria foi "um achado" que eu encontrei ao vasculhar no interior de uma loja. Peças boas, clássicas, de valor incontestável, que justamente por isso não precisavam da exposição na vitrine para serem atraentes, precisavam apenas dos olhos certos que fossem capazes de apreciar seu real valor.

Vivemos num Mundo cada vez mais vulnerável, onde as pessoas optam por um modelo exposto por preguiça de fuçar nas prateleiras no interior da loja, por medo de fugirem daquele modismo que se convencionou ser cool, e acabam seguindo tendências altamente duvidosas.

São todos uns tolos, na verdade! Mal sabem eles que muitas vezes são expostas na vitrine justamente as PIORES peças, porque sem a ajuda da exposição forçada, elas jamais atrairiam qualquer interesse, jamais desencalhariam.

Talvez de todos os desvios de personalidade, o pior seja justamente a falta de pulso, a falta de convicção, a falta de posicionamento, o medo de ousar.

Não há coisa pior do que gente que gosta do que todo mundo gosta só porque todo mundo gosta; Não há coisa pior do que gente que passa por cima dos próprios gostos só para se encaixar num modismo.

Gente que não se permite explorar todas as possibilidades, que cega para os verdadeiros tesouros ludibriado pela vitrine brilhante, e assim segue desconhecendo muitas das coisas (e pessoas) incríveis que a vida pode oferecer.

O que eu queria dizer hoje, com essa metáfora boba, é apenas que devemos tomar muito cuidado com o deslumbramento... o verdadeiro tesouro não precisa de publicidade, ele é procurado e desejado por todos, mesmo que esteja escondido no mais velhinho baú nos fundos da mais singela loja do bairro menos glamuroso.

E se for verdadeiro, vale pra sempre, não sai de moda com a mudança de estação, nem de ano, nem de século. Simplesmente vale. Acima de qualquer outra questão preserva o seu valor.

Pra sempre.