quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A multiplicidade da Paixão

pai.xão (lat passione) subst. feminino 1. Sentimento forte, como o amor, o ódio etc. 2. Atração amorosa. 3. Gosto muito vivo. Acentuada predileção por alguma coisa. 4. A coisa, o objeto dessa predileção. 5. Rel. Os tormentos padecidos por Cristo ou pelos mártires.

(definição "técnica" do Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa)


Não, este texto não pretende definir ou explicar o que é Paixão; seria uma pretensão tola, primeiro porque a definição técnica já está feita em qualquer dicionário da língua portuguesa, como no exemplo acima, e segundo porque tudo o que não está escrito ali é subjetivo demais pra ser explicado.

Quero falar sobre outra coisa. Sobre a multiplicidade da Paixão.

Seria possível apaixonar-se por duas mais pessoas ao mesmo tempo? O que você pensa sobre isso?

Eu, pessoalmente, penso que SIM, é perfeitamente possível, e não vejo isso como uma atitude cafajeste, como muitos veriam.

Explico-me.

Apaixonar-se é uma das poucas coisas que a gente não escolhe, tampouco controla. Simplesmente "acontece", por uma convergência de fatores que estão fora do nosso controle.

Invocando a definição técnica da palavra, diz o dicionário que "paixão é a acentuada predileção por alguma coisa".

E quem foi que disse que só podemos ter predileção por uma "coisa" de cada vez? Desde quando nosso cérebro e, principalmente, nosso coração está treinado pra fazer essa seleção?

Não, não está, e é por isso que é perfeitamente possível que aconteçam múltiplas paixões, todas legítimas! E quando isso acontece, a pessoa sofre horrores por ter que fazer uma escolha que, obviamente, é das mais difíceis. Uma escolha que ela não necessariamente precisaria fazer, se fôssemos todos menos hipócritas e mais fiéis ao nosso próprio EU.

Ok. Podem se chocar.

Mas a minha verdade é que sempre achei que o ser humano é essencialmente poligâmico; biologicamente poligâmico, aliás, e por alguma razão que não nos cabe discutir agora a sociedade se organizou desta maneira que conhecemos, e à exceção de algumas culturas espalhadas pelo mundo, impõe-se a monogamia como prática "moralmente correta" através dos tempos.

Imposição altamente contestável, mas quem sou eu pra contestar algo assim? Eu não estava lá quando tiveram a "brilhante ideia" de dizer que só podemos nos apaixonar por uma pessoa de cada vez, e se hoje em dia isso é uma verdade absoluta, bem... talvez de fato muitas pessoas acreditem que é assim que deve ser.

Respeito demais essa posição, desde que exista convicção, e não apenas uma adequação ao que se impõe pela sociedade.

Acho que limitar a paixão a "uma experiência por vez" é limitar aquilo que temos de mais abundante, que são as emoções. Porque o homem pode perder tudo na vida, pode perder até sua dignidade, mas jamais perde a capacidade que tem de sentir emoções, de apaixonar-se.

São as emoções que nos guiam pelo caminho através do qual escrevemos nossa história. O ser humano é pura emoção. A emoção comanda a vida até mesmo daqueles durões que se dizem guiar pela razão.

A própria razão, aliás, não deixa de ser um tipo de emoção, disfarçada de autocontrole, mas é emoção.

Qual a lógica em limitar as emoções impondo regras que o coração não reconhece?

Podar emoções é uma atitude egoísta com os outros e, principalmente, com a própria alma; é economizar aquilo que nos transborda, quando na verdade sentimento bom é aquele que a gente usa, sente com vontade, põe pra fora, expressa, gasta, abusa.

E, por favor, não me interpretem mal. Não estou fazendo apologia à infidelidade ou qualquer coisa que o valha. Respeito as convicções de cada um, mas acredito que sempre é tempo de refletir.

É um ponto de vista incomum, polêmico, que talvez seja de difícil aplicação na vida real porque estamos todos ligados a uma série de regras sociais que nos limitam de todos os lados, mas ainda assim é legítimo, porque pra mim, pelo menos, faz todo o sentido.

Uma amiga me disse esses dias: "Estou perdida! Apaixonada por duas pessoas ao mesmo tempo! O que eu faço?", e a minha resposta foi: "Onde está o problema? Viva suas paixões! Por que você quer escolher se o sentimento é legítimo em ambos os casos?"

Se há emoção suficiente para que você se apaixone por mais de uma pessoa ao mesmo tempo, escolher apenas uma delas significa negligenciar toda a outra parte do seu sentimento, sentimento este que não se pode simplesmente transferir ao escolhido, porque, lembram-se? Não exercemos controle sobre a paixão!

E o que se faz com esse sentimento "não-sentido"? O que se faz com a parte que se apaixonou e não pôde exercitar a paixão?

Reprime-se. E tudo aquilo que é reprimido, um dia transborda. Invariavelmente de maneira danosa. Tudo aquilo que é reprimido pode contaminar todo o resto, e os prejuízos podem ser irreparáveis.

A verdade é que, no meu mundo ideal, todas essas regras que limitam os nossos instintos e a nossa natureza enquanto seres humanos seriam deletadas. No meu mundo ideal existira apenas uma regra soberana e absoluta, o RESPEITO.

Com respeito tudo é possível, TUDO. Até mesmo uma paixão compartilhada.

Acredito verdadeiramente que se O Criador nos fez dotados de inteligência foi justamente para que pudéssemos fazer nossas escolhas livremente, utilizando o raciocínio e analisando as variáveis envolvidas - sempre há prós e contras, e correr riscos é um desafio constante.

O que a sociedade fez foi criar regras que limitam nosso livre arbítrio. Regras que "pensam" por nós e "decidem" por nós. E com isso negligenciamos a inteligência tão precisosa que temos. Abrimos mão de viver 100% o que há pra viver para nos moldar a um padrão construído com base em referências que não são nossas.

Uma vida fake. Valores muitas vezes falsos. Paixões economizadas. Sentimentos reprimidos. Como se fôssemos todos bichinhos adestrados para viver de uma maneira pré estabelecida. Pra que inteligência, se existe um código de conduta que nos diz até mesmo como e quanto sentir?

Penso que nada disso faz sentido.

Porque se por um lado nada é verdadeiramente eterno, tudo pode ser eterno enquanto durar.

E pra ser eterno, tem que ser vivido, experimentado, sentido... Com toda a intensidade que puder ser. Com toda a multiplicidade que couber no teu ser.

** Apenas para esclarecer, nem tudo que escrevo aqui é sobre MIM. Estou querendo dizer que não, não estou apaixonada, muito menos por 2 pessoas. Mas poderia estar, e quis falar sobre isso porque alguns amigos queridos discutiram o assunto comigo recentemente, o que acendeu minha "luzinha" e me fez vir aqui dizer o que penso. É isso.