domingo, 4 de abril de 2010

Vitrines

Arrumando meu armário outro dia, separei uma boa quantidade de roupas que não uso mais para doar. Elas estavam ali, ocupando espaço e me dando a falsa sensação de ter muitas opções de looks para montar, algumas nunca usadas, outras bastante gastas, muitas delas que já não me servem mais.

Fui separando as peças, dobrando e empilhando, enquanto me lembrava da história de cada uma delas. Algumas roupas, coitadas, nem história tinham, foram compradas no impulso de um deslumbre e depois condenadas a viver entulhadas no meu armário bagunçado. Outras, por sua vez, tem tantas histórias que me fizeram dobrá-las e desdobrá-las muitas vezes pra ter tempo de relembrar tudo.

Terminada a arrumação, olhei para o que sobrou no armário e tive uma curiosa constatação: A maioria eram peças velhas mas de excelente qualidade, que eu já usei muito e pretendo usar muitas outras vezes ainda, os famosos clássicos que nunca saem de moda e são sempre necessários. Já na pilha do descarte, a maioria eram roupas relativamente novas, mas que já não pareciam mais ter a minha cara. Roupas que foram usáveis por um curto período de tempo de um modismo passageiro, e que hoje beiram o ridículo, a ponto de eu contestar minha sanidade quando as comprei.

Exercitando meu direito supremo de "viajar", comecei a pensar no Mundo como uma grande Loja de Departamentos, uma grande Macy's onde estão disponíveis todas as pessoas que podemos escolher para fazer parte da nossa vida.

Nessa mega loja existem pessoas expostas nas vitrines, existem pessoas em destaque nos manequins e existem pessoas que estão simplesmente empilhadas sem muito critério nas prateleiras e penduradas nas araras do fundo da loja.

Os critérios de quem define quem vai ficar exposto são altamente subjetivos e contestáveis, mas é fato que os modelos expostos nas vitrines acabam tendo mais saída, são os mais procurados, até porque contam sempre com uma produção caprichada que muitas vezes ofusca suas verdadeiras qualidades (ou falta delas).

Isso porque o ser humano adora seguir uma tendência. Adora se sentir incluído, adora fazer parte de uma onda, e muitas vezes passa por cima dos próprios valores pra se sentir inserido num grupo que ele vê como exemplo.

Por conta disso, faz compras que não faria em outras circunstâncias, influenciado pela exposição da peça na vitrine, influenciado pela suposta tendência, influenciado pelo que pega bem aos olhos dos outros, abrindo mão de ousar e ser autêntico explorando as infinitas possibilidades que reservam os itens escondidos no fundo da loja.

Criar um estilo próprio na contramão da tendência não é uma tarefa fácil. Muito mais cômodo seguir os modismos e se encaixar logo no grupo do que ser visto como desajustado simplesmente por querer ser diferente. E justamente por isso acho que vale à pena refletir:

Quantas e quantas vezes nos deixamos levar exclusivamente pelo sugestionamento da peça exposta na vitrine?

Quantas e quantas vezes cegamos diante de uma vitrine reluzente, e sequer consideramos dar uma olhada no interior da loja?

Quantas e quantas vezes abrimos mão do nosso próprio estilo pra aderir a um estilo duvidoso que por acaso está em alta naquele momento?

Quantas vezes impedimos uma pessoa de se aproximar de nós simplesmente porque ela não parece ser do modelo que se convencionou ser aceitável, ideal?

Talvez por isso eu sinta tanta falta de identidade no mundo hoje em dia... Existem poucas pessoas autênticas e muitas pessoas iguais, previsíveis, óbvias, que seguem modismos e cuja personalidade é tão firme quanto gelatina.

Voltando ao meu armário, aquele que eu estava arrumando quando comecei este devaneio, e dando mais uma olhada nas peças que ficaram, constatei que quase nenhuma estava exposta na vitrine quando foi comprada, a grande maioria foi "um achado" que eu encontrei ao vasculhar no interior de uma loja. Peças boas, clássicas, de valor incontestável, que justamente por isso não precisavam da exposição na vitrine para serem atraentes, precisavam apenas dos olhos certos que fossem capazes de apreciar seu real valor.

Vivemos num Mundo cada vez mais vulnerável, onde as pessoas optam por um modelo exposto por preguiça de fuçar nas prateleiras no interior da loja, por medo de fugirem daquele modismo que se convencionou ser cool, e acabam seguindo tendências altamente duvidosas.

São todos uns tolos, na verdade! Mal sabem eles que muitas vezes são expostas na vitrine justamente as PIORES peças, porque sem a ajuda da exposição forçada, elas jamais atrairiam qualquer interesse, jamais desencalhariam.

Talvez de todos os desvios de personalidade, o pior seja justamente a falta de pulso, a falta de convicção, a falta de posicionamento, o medo de ousar.

Não há coisa pior do que gente que gosta do que todo mundo gosta só porque todo mundo gosta; Não há coisa pior do que gente que passa por cima dos próprios gostos só para se encaixar num modismo.

Gente que não se permite explorar todas as possibilidades, que cega para os verdadeiros tesouros ludibriado pela vitrine brilhante, e assim segue desconhecendo muitas das coisas (e pessoas) incríveis que a vida pode oferecer.

O que eu queria dizer hoje, com essa metáfora boba, é apenas que devemos tomar muito cuidado com o deslumbramento... o verdadeiro tesouro não precisa de publicidade, ele é procurado e desejado por todos, mesmo que esteja escondido no mais velhinho baú nos fundos da mais singela loja do bairro menos glamuroso.

E se for verdadeiro, vale pra sempre, não sai de moda com a mudança de estação, nem de ano, nem de século. Simplesmente vale. Acima de qualquer outra questão preserva o seu valor.

Pra sempre.

3 comentários:

Jorge disse...

Pois é, assino embaixo quanto a essa mania do modismo. E isso acontece em vários aspectos. Infelizmente...
Arrasou no texto. E o título me lembra o mestre, lógico: "Eu te vejo sair por aí, te avisei que a cidade era um vão..."
Bjs

Paula Bastos disse...

Putz, fantástico este post! Você matou a pau e ele é extremamente profundo. O problema desta sociedade atual é justamente este: as pessoas precisam da exposição porque já não sabem mais como vasculhar o interior das "lojas". É mais fácil gostar daquilo que está exposto porque não requer reflexão, tempo, observação.
Você está de parabéns...por isso que eu amo conversar com você. Gente que tem conteúdo está em outro nível! Bjocas

Jacke Gense disse...

Tenho uma blusa que já deve ter uns 15 anos... fora de moda ou não para mim ela sempre cai bem!!!