quinta-feira, 18 de março de 2010

Mascarados

Todos os dias uma legião de pessoas mascaradas sai às ruas.

Usam máscaras que seriam dignas de destaque no mais grandioso Baile. Máscaras rebuscadas, cheias de firulas, brilhos, plumas e paetês. Máscaras glamurosas, expressivas, alegres ou tristes, bonitas ou feias, simpáticas ou assustadoras. Máscaras que chamariam a atenção em qualquer lugar, não fosse um pequeno detalhe: São invisíveis a olho nu.



São máscaras criadas pelas pessoas para proteger suas verdadeiras identidades e encenar para o mundo um "eu" falso, que existe apenas de mentirinha para viabilizar a inserção neste mundo cheio de regras, onde é necessário ser fake para se encaixar.

Porque, não se enganem: Não há lugar no mundo para pessoas autênticas que não gostam de usar máscaras. Essas são sempre taxadas de malucas, e invariavelmente excluídas por serem o que são.

O mundo é fake, a sociedade é fake, e por isso as máscaras viraram artigo fundamental na vida de qualquer um que pretenda encaixar-se.

Não seria muito mais lógico e simples se todo mundo tivesse o direito de ser o que é na sua essência? Não seria muito mais simples se as pessoas respeitassem umas às outras, especialmente em suas diferenças, ao invés de ficarem criando regras para cortar as asas de pássaros ávidos por voar?

Se "O Criador" de fato quisesse que fôssemos assim, tão padronizadinhos e previsíveis, não nos teria feito pensantes e possuidores do livre arbítrio!!!

É isso que mais me irrita na raça humana: Essa capacidade infindável de subestimar os próprios talentos, de limitar todas as possibilidades pelo simples fato de não querer lidar com consequências imprevisíveis.

É essa capacidade estúpida de inutilizar a própria inteligência em prol de uma vida morna, inventada, com roteiro clichê e totalmente previsível.

É essa mania idiota de julgar o outro pelo seu comportamento individual, pelas suas preferências, pelas suas opiniões, pelas suas escolhas, pelo que ele tem e pelo que aparenta ser.

Por que as pessoas tem essa necessidade de associar uma opção individual/privada a todos os outros aspectos da nossa vida? Um comportamento X tem obrigatoriamente que eliminar uma possibilidade Y??? Não!!! Claro que não!!!

Mas as pessoas se habituaram a aceitar essas regras sociais e morais sem contestá-las, sem refletir sobre elas, e esse comportamento passivo e covarde nos trouxe ao ponto em que nos encontramos hoje, onde pessoas que tentam resistir à robotização sofrem duras consequências por serem o que são.

"São as regras", dirão os mais conformados. "É assim que tem que ser!".

Que regras? Quem as inventou??? E onde está escrito que "tem que ser assim"???

Os argumentos são frágeis demais. Nenhum deles me convence. Parece apenas jogada de gente preguiçosa e covarde que, temendo críticas e julgamentos, se conforma sem questionar e sai por aí pregando aos quatro cantos uma falsa verdade para tentar minimizar as próprias frustrações.

Uma tentativa estúpida de padronizar os seres humanos como se fossem todos robozinhos de uma coleção, que tem a mesma cor, fazem os mesmos movimentos, andam para o mesmo lado e respondem aos mesmos comandos.

Outro dia estava conversando com um amigo querido pelo MSN e filosofamos alguns minutos a respeito disso. Porque, sim, pagamos um preço alto por tentarmos ser o que queremos ser na maior parte do tempo, enquanto a maioria das pessoas apenas é o que os outros querem que elas sejam.

Mas se por um lado pagamos um preço alto, por outro lado exploramos um universo de possibilidades que os outros nunca experimentarão. E é isso que faz a vida valer à pena.

Claro que vestimos nossas máscaras de vez em quando. Não há como fugir do "baile dos mascarados", é uma questão de sobrevivência, e em várias situações precisamos nos valer deste artifício e encarnar um personagem "socialmente aceitável".

Mas de minha parte, pelo menos, a máscara só é usada quando estritamente necessário. Procuro dispensá-la na maior parte do tempo, especialmente na minha vida pessoal, e ser tudo que eu posso e quero ser, viver uma nova descoberta a cada dia, quebrar a cara, ser julgada, sofrer preconceitos, mas também experimentar sensações indescritíveis e viver experiências inenarráveis.

Não preciso me esconder de mim mesma, nem de ninguém. Não preciso, não quero, não vou.

Tenho minhas liberdades individuais garantidas constitucionalmente, e enquanto não estiver fazendo mal pra ninguém, tenho o direito de ser qualquer coisa que eu queira ser, fazer qualquer coisa que eu queira fazer, viver do jeito que eu quiser viver, e não há regra social nenhuma que vá me fazer oprimir meus instintos afoitos por explorar essa experiência surreal chamada "vida".

O preço? A gente sempre paga, isso eu sei. Não é justo, mas é como é. Ainda assim, dou a cara pra ser julgada por gente hipócrita e medíocre, mas não me escondo. Parece um comportamento suicida, já me disseram isso, mas dane-se! Esconder-se é covardia. Pode ser uma covardia inteligente, mas ainda assim é covardia. E se tem uma coisa que eu abomino nessa vida é atitude covarde. Não sou dessas, não mesmo!

Não posso agir de maneira diferente daquilo que acredito. Talvez seja justamente isso que incomode tanto aos outros, que dedicam a maior parte de suas vidas a julgar o próximo, ao invés de viver.

Ser o que se pode ser torna a passividade do outro evidente, e os recalques aparecem. A inconfundível mediocridade da raça humana. Sinto vergonha, muita vergonha alheia!

Não há sentido em estar nesse mundo tão cruel a passeio. Não há sentido em dormir e acordar todos os dias apenas pra ser "mais ou menos". Não há sentido em lidar com tantos dramas da vida real se não houver uma mínima compensação por outro lado.

Não há sentido em dispensar o que de melhor a vida pode nos oferecer: o direito de sermos únicos, autênticos, de fazermos as escolhas que quisermos e experimentarmos tudo aquilo que tivermos vontade.

As máscaras? Sim, precisamos delas.

Mas não precisamos e não devemos ser escravizados por elas. Até porque se não tomarmos cuidado, "a criatura toma conta do criador".

E nada me tira da cabeça que é por isso que o mundo está do jeito que está. Muitas criaturas dominaram seus criadores, culminando numa legião de gente mal resolvida, recalcada, frustrada, uma legião de pessoas que não se permitem ser o que são de verdade pois viraram escravas das personagens que criaram para se encaixar na sociedade, e por isso acabam externando suas frustrações em forma de ódio, preconceito, intolerância, violência.

Um triste retrato da covardia humana. Não quero e não vou fazer parte disso!

"Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é", já cantava Caetano.

Eu que o diga! Dores profundas, sofridas, que deixam marcas que nem o tempo apaga...

Mas por outro lado tem as delícias... ahhhh, as delícias...

Elas fazem tudo valer à pena! TUDO!


This is it!

4 comentários:

Sissi disse...

Às vezes penso que o problema das máscaras ou da ausência delas é apenas porque algumas pessoas querem ser julgadas. Não basta fazer o que quer e como quer, precisam do julgamento.
E não digo da aprovação, digo mesmo da reprovação. O silêncio e a paz alheia de ver o outro fazer o que quer, incomoda a esse outro ao ponto de fazer mais e mais, testando não o seu limite, mas o alheio. Isso é triste e vazio.
Quando digo que não gosto de me colocar em julgamento estou dizendo 'me importa o que os outros vão pensar'. E tanto não me importa que não peço conselho nem antes e nem depois. Apenas conto. As amigas de verdade sabem que têm liberdade para falar o que pensam, mas sem o peso do 'conselho'. É uma troca de vivências, que invés de me fazer sair com a faca na mão, ajudam a enriquecer todo o contexto.
No final é apenas a rica experiência de viver a troca e o amor que só a amizade pode proporcionar, quando não traz consigo a responsabilidade de dizer o que é certo ou errado.

K. disse...

quando escreveste "Ser o que se pode ser torna a passividade do outro evidente" me lembrou um trecho do Kundera... que acho que vem bem ao encontro com teu texto...

"Tomas compreendeu uma coisa estranha. Todo mundo lhe sorria, todo mundo queria que ele escrevesse a retratação, retratando-se faria todo mundo feliz. Uns ficavam contentes porque a proliferação da covardia banalizava suas próprias condutas, devolvendo-lhes a honra perdida. Outros estavam acostumados a ver em sua honra um privilégio particular, do qual não queriam abrir mão. Também nutriam um amor secreto pelos covardes. Sem eles, sua coragem seria um esforço banal e inútil – ninguém os admiraria". (KUNDERA, 1983)

Paulo Mello disse...

"Ás vezes a máscara deixa de ser um mero adereço e passa a se tornar um símbolo de caráter enganoso. Vemos isso nas histórias em quadrinhos a máscara não esconde somente a identidade, mas transforma a vida de quem a possui. " (Máscars - wikipédia).
Tenho vivido constantemente esse conflito do uso das máscaras. Confesso que até gosto delas, permitem possibilidades,inovações, variações. Mas sabendo que são máscaras.
Ser "autêntico" tem um preço alto sim, sei bem disso, mas os julgamentos são tão absurdos e incoerentes que as vezes me pego rindo deles. A mesma ação é interpretada de forma completamente antagônica por duas pessoas diferentes que chega a ser cômico.
Mas ser julgado passa pelo o olhar do outro, e aí...
Acredito, e esse pensamento já me consumiu muito,que jamais vamos conhecer uma pessoa como ela é realmente e ninguém vai nos conhecer como somos. Sempre existirão os filtros de cada um. Os nossos ao transimitir aquilo que somos para o exterior e o dos outros em interpretar nossos atos.
É assim, acredito não ter como mudar e por isso me contento em reconhecer as máscaras e tentar descobrir quem está atrás delas, e nisso os olhos entregam muito. Sempre.
Mas já acreditei muito que a pessoa atrás da máscara me interessava. Não. Hoje sei que não. Me interessa sim as pessoas que sabem usar suas máscaras no momento certo, até chegar a hora em que vai usar uma que tenha a sua própria cara.

Paula Bastos disse...

Meu, não vou comentar nada de filosófico nem profundo. Só vou dizer que você realmente matou a pau. Inclusive várias coisas que tenho passado tem muito a ver com o que vc relatou aqui.
Texto digníssimo!