sábado, 23 de maio de 2009

A Mídia, O Patrão e As Crianças

Maísa X Silvio Santos, a gripe suína do momento.

Não se fala em outra coisa, e quem tem uma vida virtual um pouco mais intensa sabe que o assunto tomou conta da Rede. Jornais online, blogs, sites de relacionamento, a tag #freemaisa no twitter, e por aí vai. Como acontece quase sempre com quase todo assunto sensacionalista, principalmente nos últimos tempos.

Por alguma razão que até agora eu não entendi, resolveram crucificar O Patrão. Silvio Santos é o grande algoz da garotinha Maisa, e segundo a opinião dessa maioria, a menina precisará fazer terapia até seus últimos dias para superar tantos traumas.

Todo mundo se revoltou porque Silvio Santos teria torturado a garota, expondo-a a situações extremas no programa que culminaram no seu choro sentido e magoado que todo mundo já cansou de ver no youtube. "Coitadinha! Ela só tem 6 anos! É uma criança indefesa nas mãos de adultos irresponsáveis!", dizem os mais exaltados.

E então, depois de uma semana de tanto alvoroço, a Justiça se manifestou sobre o caso, proibindo a garota de participar do programa de Silvio Santos (ela continuará apresentando sozinha o programa infantil que já apresentava antes). E por esta decisão, fica bem claro o tamanho da pecha que querem pregar ao Patrão. Com ele, criança não pode trabalhar! Ele é malvado, ele é ruim, ele é gagá, ele é desequilibrado. E o povo vibrou com essa decisão quase como numa final de copa do mundo. Novamente não se fala em outra coisa na Internet, novamente o link da notícia explodindo na tela no computador a cada 5 segundos, acompanhado de manifestações como "Ainda bem! Salvaram Maísa!"

Então tá. Vou começar dizendo que sou fã de Silvio Santos, estando ele gagá ou não. E dizer que sou fã do Homem do Baú não significa que eu passe a minha vida assistindo programas trash do SBT, nem que eu aprove a quase inexistente qualidade na maior parte da grade de programação do canal. Não, não é isso. Mas admiro muito o homem que construiu um império e que trabalha duro até hoje, mesmo sem precisar. E vou parar por aqui porque não é este o tema do post.

Por outro lado, acho a garotinha Maisa um fenômeno. Cheguei a vê-la algumas vezes há alguns anos, quando ela se apresentava no Raul Gil, e assim como todo mundo, fiquei impressionada com a desenvoltura e o talento daquele "cotoco de gente". E o talento nato de Maísa levou-a a posição que ela ocupa hoje, talvez a única artista infantil de destaque no momento, sendo inclusive co-apresentadora de um programa dominical com o ícone Silvio Santos. Obviamente isso não é um acontecimento à toa.

Só que por algum motivo a mídia resolveu que essa parceria deveria terminar. Por algum motivo, resolveram pegar no pé de Silvio Santos (que, concordo, não anda lá muito lúcido das idéias), e os episódios do choro da menina nos últimos domingos foram a faísca que precisavam para explodir o assunto. Como se o fato de a menina chorar fosse lhe causar traumas para o resto da vida. Como se o fato de a menina chorar fosse prova de algum tipo de tortura ou maus tratos. Como se criança não chorasse de vez em quando, por motivos reais e muitas vezes também por motivos tolos.

Porque criança é assim. Criança ri, brinca, corre, levanta a peruca de um adulto se tiver oportunidade, canta, dança, se diverte, se assusta, se machuca, repete um palavrão se ouvir E CHORA. Faz parte do processo lindo e mágico que é ser criança.

A tese de quem apedreja Silvio Santos não considera nada disso. Porque é muito mais fácil ir na onda #freemaisa e dizer que tudo que aconteceu é um absurdo como diz o coro da maioria das pessoas, do que analisar a questão mais profundamente - isso dá trabalho!

E, vejam, não estou dizendo que sou contra ou a favor do que aconteceu. Não estou defendendo Silvio Santos nem condenando, estou apenas ponderando. Porque no fundo a gente nem sabe exatamente o que aconteceu lá nas gravações do programa, e isso por si só já torna qualquer análise altamente comprometida.

Mas as pessoas vão cada vez mais na onda. Lem a Veja, ou a Folha, ou qualquer outro jornal "de peso", e concordam imediatamente com a notícia. Não ousam contestar, discordar, debater. Ouvem a opinião de um ídolo e a seguem cegamente, sem parar para pensar se há coerência.

O pessoal do CQC, por exemplo, manifestou uma posição sobre o caso no programa da última segunda-feira (apesar de terem usado as imagens da menina em muitos outros momentos, e de eventualmente chamarem-na de robozinho ou capetinha ou coisa pior). Imediatamente, pipocaram manifestações idênticas na rede. Todo mundo no embalo, porque convencionou-se dizer que o CQC é humor inteligente, então todo mundo acha que, se é inteligente, é só seguir o que eles dizem, e pronto.

*** Aqui, peço licença para um parênteses:


Eu gosto do CQC, e vejo sempre que possível. E acho que há uma parte do programa que é, sim, muito inteligente e diferente, e em algumas situações o humor é até refinado, coisa tão rara hoje em dia. Mas... há uma outra grande parte do CQC que é apenas um programa de humor como qualquer outro, que muitas vezes precisa abrir mão da inteligência e optar pelo escracho para fazer graça, e neste aspecto o programa é igual, por exemplo, ao Pânico, tão demonizado desde o surgimento do CQC. Porque o Pânico nunca disse que é inteligente, e sempre assumiu seu lado mais trash. Já o CQC muitas vezes é pretensioso, e acha que ir a Brasília entrevistar politicos faz do programa algo de mais qualidade do que qualquer outro. Não, não faz. E neste quesito, aliás, eu fico com o Pânico pela falta de pretensão. O programa CQC da última segunda-feira, por exemplo, foi bem ruim. Um dos apresentadores, aliás, é extremamente sem graça e insuportavelmente prepotente e irritante, e me causou muito constrangimento alheio entrevistando Gilberto Gil sem ter a capacidade de fazer uma única pergunta "inteligente". E isso só pra ficar num exemplo mais recente - ocorrências assim são corriqueiras. Mas, como é o CQC, todo mundo idolatra, ninguém ousa criticar, ninguém ousa contestar. Porque é assim que tem sido, as pessoas consomem o que está sob os holofotes, e o que alguém disse que é legal consumir.

Fecha parênteses ***


O fato, meus queridos, é que toda essa questão sobre Maísa, Silvio Santos, programa de televisão, etc, vai muito além do óbvio que enxergamos. Porque a menina tem pai e mãe, porque existe uma ordem judicial (que foi derrubada agora, parece), autorizando que ela trabalhasse no programa, porque é possível que muita gente dependa do sustento do salário da menina, e porque podem existir muitas outras variáveis que desconhecemos.

Lógico, ela é uma criança, e como toda criança deveria ter alguns direitos protegidos. Não, eu não acho certo a exploração de uma criança, mas quem disse que Maisa está sendo explorada? E se tiver, por que os pais dela não tomaram uma atitude? Porque ela está lá, numa televisão, trabalhando com trocentas pessoas além de Silvio Santos, e certamente se houvesse algum tipo de abuso, alguém teria percebido, não acham?

Além do mais, se alguém tivesse que pagar o pato por um episódio como este, seriam os PAIS, e não o Silvio Santos! Os pais são absoluta e integralmente responsáveis pelos filhos até que estes cheguem à maioridade, é o chamado pátrio poder, poder este que inclusive pode ser destituido se verificado o abandono moral, emocional e material. Diante da incapacidade das crianças em tomar atitudes e fazer escolhas, são os pais que o fazem, e se os pais de Maisa acham que ela está feliz trabalhando lá no SBT, quem somos nós para criticar?

Muito pai e mãe que está aí agora seguindo a onda e bradando contra a exploração da garota, teria colocado o filho sob os holofotes se pudesse, eu tenho certeza. (Quase) Todo mundo gostaria de ser famoso, de estar na mídia, ou que seu filho estivesse. Quantos pais e mães já não levaram os filhos ainda bebês para agências de publicidade "oferecendo" a criança para comerciais de TV? Quantos pais e mães não empurraram os filhos chorosos para o colo do Papai Noel para tirar uma foto no fim do ano (@poalli)?

Maisa foi um destes casos que deu certo, porque ela tem mesmo talento (coisa rara hoje em dia), e não parece ser uma criança infeliz, ou frustrada, ou torturada, ou abalada. Parece ser uma criança normal, que trabalha e que tem uma maturidade incomum para sua idade, é verdade, mas até aí não é a primeira nem a única, e nem vai ser a última.

E neste sentido, aliás, o fato de ela ter chorado é inclusive positivo. Mostra que apesar da exposição e do trabalho, ela continua sendo criança, essencialmente criança, que num dia levanta a peruca do Patrão e ri descontroladamente, no melhor estilo travessa, e no outro dia chora assustada com uma fantasia bobinha de monstro. Que num dia tagarela descontroladamente sobre todos os assuntos, e no outro dia se machuca e chora. Anormal seria ela bater a cabeça e não chorar! Anormal seria ela se assustar e não chorar!

Quisera todas as crianças que trabalham no Brasil trabalhassem em empregos como o da Maísa. Quisera todas as crianças que choram no Brasil, chorassem apenas porque bateram a cabeça ou porque viram uma fantasia de monstro.

Eu sei que dizer isso é clichê, mas essa história toda é muito clichê, afinal. E infelizmente, existem muitas crianças chorando de fome, chorando porque sofreram violências reais, existem muitas crianças trabalhando de sol a sol em empregos que não tem a menor graça e sem ganhar quase nada em troca. Infelizmente, existem muitas crianças sofrendo todo tipo de tortura real de uma sociedade que segrega e vira as costas. Mas falar sobre essas crianças não tem o mesmo impacto que falar de Maísa, então resolveram pegar Silvio Santos pra Cristo. Uma injustiça.

E, só pra terminar, espero que fique claro que eu não estou defendendo nem condenando nada nem ninguém. Se a Maísa fosse minha filha, não estaria trabalhando com Silvio Santos, porque eu julgaria inadequado. Mas como ela não é minha filha, vou manter minha opinião neutra, porque ela tem pai e mãe para defender seus interesses, então esta é uma questão que definitivamente não me diz respeito, principalmente se eu, como tantaso utras pessoas, sou consumidora do programa que ela apresenta. Não faz sentido, concordam?

Um comentário:

Sissi disse...

Bom, concordando com tudo que você disse só tenho uma coisa a acrescentar: estou aliviada que não preciso mais aguentar essa miniatura de chatice domingo à tarde quando assisto ao Silvio Santos. Menina chata, com comportamento que para mim é inadequado e demonstra como as pessoas têm confundido má educação com sagacidade. A juíza estava cansada da 'mini petit' também. rs. Beijos.