terça-feira, 13 de julho de 2010

Caquinhos

Há alguns meses uma cerâmica (piso) da minha lavanderia quebrou. Quebrou em vários pedacinhos, mas eu a deixei lá, no mesmo lugar, como se fosse um quebra-cabeças montado no chão.

Vez ou outra, pisando no local, um pedacinho se soltava desmontando o mosaico, e eu parava qualquer coisa que estivesse fazendo para realocar a pecinha no seu devido lugar, um ato quase instintivo.

Outro dia uma amiga esteve aqui em casa e se sentou comigo lá na lavanderia, meu cantinho preferido pra dar umas baforadas e jogar conversa fora. Intrigada com aquela quadradinho todo triturado, ela me perguntou por que eu não tirava logo o piso quebrado e substituía por um inteiro.

Eu, obviamente, não soube o que responder. De repente parecia fazer todo sentido do mundo o que ela estava dizendo, e me senti meio estúpida por ainda não ter feito o óbvio. Ainda assim, novamente por instinto (e uma certa teimosia, confesso), disse que o piso quebrado ficaria ali até eu ter tempo de substituí-lo, e que o assunto estava encerrado.

Ouvi várias explicações lógicas e óbvias para mudar de ideia: "Pode machucar o pé de algum desavisado que passe descalço!"; "Segundo o feng-shui ter coisas quebradas em casa não é auspicioso"; "está feio"; etc e tal, mas ainda assim me mantive inflexível na minha teimosia.

Queria meus caquinhos ali, amontoadinhos; queria poder colocar as pecinhas no lugar tantas vezes quantas fossem necessárias; queria manter o piso sem buracos, ainda que no meio dele houvesse um mosaico de caquinhos; queria manter as coisas exatamente como elas estavam, porque de certa forma era mais cômodo assim.

Hoje mais uma vez, como de costume, peguei meu notebook e me sentei no chão da lavanderia para dar uma relaxada. Acendi um cigarrinho de menta e enquanto dava minha primeira baforada, fixei o olhar no piso quebrado. De repente aquilo me incomodou de um jeito indescritível, e no instante seguinte eu já estava de pé, recolhendo todos os pedacinhos e jogando-os dentro de um saco de lixo.

Ficou um buraco no lugar. Um buraco empoeirado e cheio de rebarbas e outras sujeirinhas que foram se alojando ali através das frestas. Um buraco feio, mas inteiro, sem pedaços, sem emendas.

Varri, passei o aspirador de pó, um pano úmido com desinfetante, e finalmente me sentei de volta no meu cantinho, agora olhando fixamente para aquela abertura de cor de cimento no meio do chão branco.

Senti falta dos caquinhos. Eu realmente estava acostumada com eles, acostumada a recolocá-los dia após dia, mas a sensação de não ter mais que ficar juntando pedacinhos de certa forma me aliviou. Até porque agora ou eu compro uma cerâmica nova e inteira para tapar o buraco, ou me acostumo com o vazio, um vazio também inteiro.

Chega de pedacinhos. Chega de juntar caquinhos!

Assim também devíamos agir com os assuntos do coração.

Eu não gostaria de ter meu coração quebrado. Da mesma maneira que odiaria quebrar o coração de alguém. Mas às vezes é inevitável, faz parte da vida, e mais cedo ou mais tarde todos nós somos obrigados a lidar com os nossos próprios caquinhos.

Quando isso acontece, a primeira reação que temos, seja por instinto, por obsessão, por teimosia, ou até mesmo por falta de amor próprio, é ficar juntando pedacinhos de um amor que se quebrou, é tentar recolocar dia após dia cada pecinha minúscula no lugar, como se pudéssemos restaurar aquilo que um dia foi um amor inteiro.

Não, não podemos!

Assim como a minha cerâmica, cola nenhuma é capaz de devolver a forma original de um amor partido. Você pode ter cada pecinha caprichosamente posicionada como um perfeito quebra-cabeças, mas ainda assim você terá apenas um amor em mosaico, trincado, em fragmentos, que jamais voltará a ser inteiro e por isso mesmo jamais voltará a pulsar com a mesma potência.

Reconhecer que um amor quebrado jamais voltará a ser como um dia foi é um processo doloroso, que causa tanto sofrimento quanto ou até mais do que a própria quebra. Mas é um passo importante e necessário.

Porque, assim como aconteceu com a minha cerâmica, enquanto mantemos os caquinhos no lugar, não damos espaço para que um novo amor venha ocupá-lo.

E ficamos vivendo de migalhas, e vamos esfolando cada um dos pedacinhos nesse processo de monta-e-desmonta, e depois de algum tempo eles nem se encaixam mais, e vão deixando buracos que abrem espaço para sujeirinhas que podem contaminar pra sempre a capacidade de amar.

Ninguém escolhe ter o coração partido. Mas acontece. E se acontece, que salvemos pelo menos o que foi bom, que guardemos as boas lembranças, e então tenhamos a coragem necessária de jogar os caquinhos fora, limpar toda a sujeira que ficou e deixar o espaço completamente livre e pronto pra receber um novo amor.

Não estou dizendo que é fácil. Não foi fácil nem mesmo me livrar dos caquinhos da minha cerâmica, o que dirá de um amor quebrado... Mas com um pouco de esforço a gente consegue. É importante tentar. É importante conseguir!


Como diz uma velha música do Guilherme Arantes:

"Pra que ficar juntando os pedacinhos
do amor que se acabou...

Nada vai colar,

nada vai trazer de volta
a beleza cristalina do começo,
e os remendos pegam mal...

Logo vão quebrar...
Afinal a gente sofre de teimoso
Quando esquece do prazer..."

Não há sensação melhor no mundo do que sentir que estamos prontos novamente pra receber tudo de bom que o amor pode nos dar.

Que venham novos amores... e que sejam infintos e inquebráveis enquanto durarem!

15 comentários:

Fabi Lopes disse...

Mais um belíssimo texto de Dona-insuperável-Farta, digno de ser lido numa terça feira chuvosa pra nós 'acordarmos' um pouco.
Hora de limpar todos os caquinhos e ficar somente com os bons momentos, sensações e com uma saudade estranhamente simples, como um brinquedo que vive longe dos olhares.

Leo Moreira disse...

Peço licenças para comentar pela primeira vez um post seu aqui no blog. Mas achei fantástico esse seu ponto de vista sobre "Caquinhos". É como diz a velha e conhecida frase: "Não importa em quantos pedaços seu coração foi partido. O tempo não para para que você conserte-o".

Jorge disse...

Pois é, não gosto de caquinhos e migalhas tb. Lembrando o saudoso Cazuza (que tanto lembramos semana passada, né?), ele dizia: "migalhas dormidas do teu pão, raspas e restos me interessam". Mas isso era para um maior abandonado. Como não sou, detesto as pessoas que nos oferecem tais migalhas. Parafraseando agora os Titãs, "a gente quer inteiro e não pela metade".
Hoje como é dia do rock, faço esse comentário com músicas e pra fechar, uma da Marina: "Pra começar, quem vai colar os tais caquinhos do velho mundo?". Pois é, eu que não irei!!!

Gegena disse...

Certamente, nem só os caquinhos de coisas quebradas e os do amor quebrados devem ter o rumo certo, mas outras coisas estragadas na vida da gente....e cuidar pra manter tudo em dia e em ordem, saude corporal e mental. Excelente sua postagem, D. Farta! Gostei de ler e apreciar.

Soraya Pamplona disse...

caracaaa mto legal . realmente, temos que nos livrar dos caquinhos hahaha a alma fica leve!

LuCas disse...

Meu coracaozinho ficou em cacos no nosso aniversario de o carro ter zicado e nao ter ido a FARTA PARTY DAYS :(
Bjo

Diego disse...

Quem se apega, se apega aos caquinhos, se apega aos restos que ficaram daquilo que representou o ápice dos sentimentos. Sabe é compreensível que a gente se encante com qualquer resquicio daquilo que se partiu, daquilo se perdeu. Acreditando que pode ser a mesma coisa de antes. É bem assim mesmo do jeito que vc reproduziu no post.

Mas o que está desfragmentado, não volta a se fragmentar. E por mais que a gente tente, realmente não tem como. Assim é com os cacos e com o nosso coração. Mas é a partir daí que tudo se torna mais fácil pra superar qualquer vazio que exista na nossa vida. E se existe superação, existe felicidade, existe alívio, existe esperança de um futuro melhor.

Brilhante texto e claro que super me identifiquei.

Bjosssssssss

Sissi disse...

Gostaria de saber em que parte exatamente da história entendemos que estamos prontos DE VERDADE para um novo amor. Ou se ele chega de tropeço, bagunça tudo e pronto, sem nem se importar se estamos com os cacos, concreto puro ou chão de terra...

Sissi disse...

Gostaria de saber em que parte exatamente da história entendemos que estamos prontos DE VERDADE para um novo amor. Ou se ele chega de tropeço, bagunça tudo e pronto, sem nem se importar se estamos com os cacos, concreto puro ou chão de terra...

Dona Farta disse...

Sissi,

Insight?

Dona Farta disse...

Em tempo!

Há quem prefira os caquinhos a novas possibilidades...
Como escrevi num dos parágrafos, a gente se acostuma, se apega, e enxerga o que quer enxergar - um lindo e precioso mosaico ou apenas um monte de cacos.

No fundo, tudo é sobre ponto de vista... e sobre coragem de enfrentar as próprias verdades!

;)

Hilda B. disse...

Genial sua análise!!!

Roberta Quintella disse...

Muito bom esse texto!!!
O problema com os caquinhos, se resume, a um sentimento muito mais forte que o amor, que a força de vontade e infelizmente, maior que o amor próprio, que se chama - COSTUME.
E por mais bizaro que pareça, nos acostumamos, incusive e principalmente, ao sofimento. E quando isso aconece, preferimos manter os nossos velhos "caquinhos" (por já estarmos acostumados a eles), do que encarar novas experiências, que na maioria dos casos, nos fazem muito melhor.
É o medo do novo, é medo de enfrentar novos desafios. E pior,medo de tentar ser feliz!!!
A hora de limpar os "caqunhos" e abir espaço pra uma nova cramica, é quando consiguimos enxergar que o único sentimento que nos prende aos malditos caquinhos, é apensas, o costume.......!!!!!

Anônimo disse...

Oi lindona, passei por aqui mais uma vez pra matar a saudade que sinto de vc e cada vez que te leio fico nostálgica, triste, emocionada ah sei la é uma junçao de coisas que no fundo significa SAUDADE..saudade do nosso tempo que se foi, da nossa amizade que se perdeu, saudade dos risos, dos papos, dos conselhos, dos apuros, enfim SAUDADE de um tempo que nao volta mais e talvez nunca mais voltará infelizmente pq sinto SAUDADE...
Fico feliz por saber que esta feliz e ter a certeza que sempre estive certa qto a vc..que iria ser essa grande mulher que vc se tornou..
Bjs com SAUDADE
Aninha Jacarei

Tânia disse...

Tão lindo ponto de vista, que após meses de sua publicação ainda assim tive o prazer de ler!
Parabéns! Saiba que você contribuiu para a minha faxina!
Obrigada!