segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Sonhos Possíveis

Desde que me entendo por gente, meu avô (pai da minha mãe) é fã do Silvio Santos. E como tal, sempre viu todos os programas e sempre acreditou piamente em tudo que fosse associado ao "Homem do Baú". Comprava o Carnê do Baú da Felicidade sonhando em ser sorteado para rodar o pião da casa própria, escrevia cartas para o programa Porta da Esperança, para o Show do Milhão, e comprava religiosamente cada uma das TeleSenas lançadas.

Aos domingos, durante os sorteios das cartas ou dos números da TeleSena, ele se sentava o mais próximo possível da TV e, munido da sua caderneta e da sua caneta bic azul, fazia mil anotações: os números sorteados, a quantidade de ganhadores, os prêmios extras do mês, etc e tal.

Era uma cena no mínimo engraçada, e a gente sempre fazia piada desse fanatismo todo do vô pelo Seu Silvio. Ele ficava bravo, e não hesitava em nos explicar - munido das estatísticas cuidadosamente apuradas no caderninho - suas grandes chances de ganhar. Falava, falava, falava. Fazia planos sobre o dia em que seria chamado para ir ao Programa, seus olhos brilhavam quando ele mencionava o momento em que estaria frente a frente com seu ídolo, e brilhavam mais ainda quando ele fazia mil planos sobre como gastaria o dinheiro ganho. Víamos todo aquele blablabla apenas como um sonho bobo, ingênuo até. Quase um devaneio.

Meu avô foi envelhecendo, ficando mais ranzinza, cheio de manias, mas nunca largou mão das suas TeleSenas e dos seus domingos grudados à frente da televisão.

Certo dia, conversando com minha mãe sobre estes assuntos, ela fez um comentário que mudou toda a minha visão daquela situação, até então apenas cômica:

"O sonho da vida do seu avô é ganhar na TeleSena e conhecer o Silvio Santos. Ele vive pra isso."

De repente caiu a minha ficha. Aquilo que pra nós era apenas um comportamento bobo e motivo de piada era, na verdade, um SONHO do meu avô. "O" SONHO, que como qualquer sonho deveria ser antes de mais nada RESPEITADO, quiçá compartilhado.

Nunca mais zombei do meu avô por causa disso. Tudo bem que ainda vemos alguma graça na situação, muito mais pela maneira metódica como ele compra, controla e guarda suas TeleSenas do que pelo sonho de ganhar propriamente dito. Mas mesmo assim, desde aquele dia, passei a respeitar muito o sonho do meu avô, porque se é um sonho dele, ora bolas, é um sonho e pronto! Cada um tem o(s) seu(s), e o dele é este.

Recentemente estive no Interior de SP visitando-o, infelizmente ele está muito doente, e numa de nossas conversas perguntei sobre as TeleSenas. Ele me disse que ainda acredita que pode ganhar, e quando não pode ele mesmo ir até a banca de jornais comprar a nova edição, pede pra que alguém o faça, e continua acompanhando os sorteios religiosamente todos os domingos, anotando ele mesmo os números, porque ele não confia em ninguém pra fazer algo tão importante!

Um sonho que atravessou anos, décadas, e que permanece com meu avô até hoje. E o que mantém esse sonho junto dele é a esperança de que um dia ele vá se realizar, é a fé que ele tem de que pode efetivamente ser sorteado ou completar os números, é a certeza que existe dentro dele de que este é um sonho possível, independentemente do que os outros pensem. Por isso ele persevera e faz o que está ao seu alcance enquanto pode.

E quem sou eu para zombar do sonho do meu avô? Quem sou eu para dizer que o sonho dele é bobo, não é possível? Quem sou eu para dizer pra ele desistir e parar de gastar dinheiro com TeleSenas, se este é o caminho que ele encontrou para buscar a realização???

...

Todos temos nossos sonhos. E se os temos, por mais absurdos que eles possam parecer, é porque existe em algum lugar dentro da nossa alma a certeza de que eles são possíveis. Então os alimentamos, e buscamos à nossa maneira o caminho para concretizá-los.

Mais do que sonhar, temos um prazer inexplicável em compartilhar nossos sonhos, em falar sobre eles, em dar asas à imaginação e nos imaginar no futuro, quando tudo se tornar real.

Qual seria a graça de realizar um grande sonho e não poder dividir pelo menos a felicidade daquela realização com alguém? 10 entre 10 pessoas que sonham em ganhar na MegaSena, por exemplo, começam suas listas sobre "o que vou fazer com meu milhão" relacionando coisas como "ajudar a família", "comprar um casa para não sei quem", e por aí vai.

A grandeza dos sonhos - dos mais simples aos mais extravagantes - não comporta egoísmo. A dimensão de uma realização está diretamente vinculada à expectativa do prazer de compartilhar os resultados.

E então dividimos nossos sonhos com as pessoas em quem confiamos. Despimo-nos dos nossos pudores e abrimos nossos corações para - sem medo de fazer papel de bobos - externar nossos maiores anseios, esperando encontrar no outro aquela mão amiga que vai nos apoiar e quem sabe até ajudar - ainda que esta ajuda seja apenas uma palavra de otimismo - a seguirmos na nossa busca.

O problema é que da mesma forma que a grandeza de um sonho não comporta egoísmo, a pequeneza do ser humano é essencialmente egoísta, e é aí que o caldo entorna.

Porque as pessoas estão ocupadas demais sonhando seus próprios sonhos para darem atenção aos sonhos alheios. Não estão nem aí para os sonhos que não são delas, e tendem a diminuir o valor do que é importante para o outro, muitas vezes até ridicularizando o sonho como se fosse algo totalmente fora de propósito.

Frustrante!

Você divide um sonho com alguém especial e este alguém não dá a menor atenção àquilo que é tão importante pra você. Você espera um apoio - ainda que velado - ao seu grande anseio, e a outra pessoa sequer toma conhecimento do quanto aquilo significa na sua vida. Não se envolve, não se empolga, não acredita. Tira do sonhador o prazer de compartilhar o sonho, tudo porque não consegue ver importância em nada que não lhe diga respeito diretamente.

Como observadora da vida alheia (e da minha própria) há anos e anos, posso dizer que isso sempre foi um comportamento que me saltou aos olhos de uma maneira muito lamentável. É impressionante como as pessoas não prestam atenção aos detalhes, é impressionante como as pessoas não se envolvem verdadeiramente umas com as outras, é assustador constatar que as pessoas são capazes de manter um relacionamento por meses, anos, décadas, sem nunca conhecer verdadeiramente quem está do outro lado.

Porque - e era aí que eu queria chegar - você só conhece verdadeiramente alguém quando conhece também os seus sonhos. E em qualquer relacionamento - familiar, amoroso, de amizade - isso faz toda a diferença!

Compartilhar uma vida é muito mais que compartilhar o cotidiano e fazer coisas juntos. Compartilhar uma vida é, antes de mais nada, compartilhar sonhos.

Sonhos grandiosos, Sonhos bobos, Sonhos possíveis, Sonhos impossíveis. Se é o Sonho de alguém, há que ser respeitado. Se é o sonho de alguém especial, então, há que ser também compartilhado!

Como já cantava Raul, "Sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só; Mas Sonho que se sonha junto, é realidade."

Um comentário:

Ligia disse...

Sabe que esses dias descobri que o meu namorado joga religiosamente na mega sena, faz planos e leva a sério toda essa história? Achei engraçadíssimo e contei pra ele a história do vô. Agora vou mandar o link do seu post pra ele ver.