Fiquei a semana inteira pensando se eu devia ou não escrever um post sobre esse assunto... às vezes, achava que devia deixar pra lá, porque ninguém gosta de ouvir essas histórias, mas outras vezes sentia aquela vontade louca de dividir com todo mundo o que eu passei e ainda estou passando...
Então, vou falar... falar pra mim é sempre uma terapia, e não há de ser diferente agora... A maioria dos meus amigos já sabe da história, mas mesmo assim, vou contar...
Sábado, como vocês viram no post anterior, foi um dos dias mais felizes da minha vida, porque minha linda irmã Cátia realizou seu grande sonho e casou-se, e tudo foi lindo, tudo foi perfeito... foi uma noite agradabilíssima, e certamente inesquecível tanto para os noivos como para os convidados...
Eu, o Odylo e o Lucas ficamos no Espaço Armazém até o último minuto, ficamos lá até que todo mundo fosse embora, e só saímos depois do carro dos noivos sair também, fizemos o nosso papel de "babões" e pentelhamos o casal até o último minuto... Foi super divertido, demos muita risada, aquela coisa de fim de festa, de organização das coisas no porta-malas dos carros, enfim...
O Odylo e o Marcelo (meu cunhado) se dão muito bem, então ficaram lá de brincadeira e piadinha masculina enquanto eu e minha irmã tricotávamos nosso último papinho antes de eles partirem para a lua-de-mel...
Então, voltamos pra casa... o Espaço Armazém fica na Vila Leopoldina, e nem é muito longe pra nós, na verdade... voltamos pela Marginal Tietê, depois pegamos a Castello e chegamos em Carapicuíba... Tudo tranquilo, lá pelas três e meia da madrugada, o Lucas "bodiado" no banco traseiro do carro e eu e o Odylo no maior papo sobre todos os detalhes do casamento...
Era madrugada, e obviamente as ruas estavam desertas... de vez em quando aparecia um carro, uma moto, um pedestre, mas estava aquele silêncio típico das madrugadas... Viemos pela Avenida Inocêncio Seráfico, e chegamos bem perto de casa... Paramos, demos a seta pra entrar na minha rua e como não vinha carro no sentido contrário, e o sinal inclusive estava fechado para quem viesse na direção oposta, fizemos a curva de 90 graus para entrar na minha rua...
De repente, do nada, eu, que estava no banco do passageiro, sinto uma pancada tão forte que até agora estou meio atordoada... Muito, muito forte... meu corpo inteiro saiu do lugar, foi algo como se até meu cérebro saísse do lugar, demorei um tempo pra entender o que tinha acontecido, e então caí na real... Tínhamos sofrido um acidente, e um acidente gravíssimo... Quando percebi, o Odylo já estava do lado de fora do carro com o celular na mão ligando pro Resgate, começou a juntar muita, muita gente, e então escutei os berros do Lucas no banco de trás...
Tentei virar para acudi-lo, mas foi neste momento que percebi que estava presa em alguma coisa entre o banco e a porta, e só de tentar virar o corpo senti uma dor como nunca antes na minha vida senti... Eu estava presa e imóvel, nem que eu quisesse conseguia me mexer, e então o desespero tomou conta de mim... Passei a mão no rosto, percebi que estava coberta de sangue, fiquei muito assustada imaginando que tivesse alguma lesão grave e mais desesperada ainda por não conseguir ajudar meu filho...
De repente vi um cara meio maluco sair carregando o Lucas... Como assim??? O rapaz chegou no carro e disse: "Vou levar o garoto pro Hospital agora, não dá pra esperar socorro"... pegou o Lucas e foi saindo, e eu consegui, não sei como, gritar pro Odylo impedir que ele fizesse aquilo, que nem devia ter mexido no Lucas, porque sabemos como são os procedimentos nesses casos... O Odylo pegou o Lucas de volta e então o colocou no banco do motorista, do meu lado, e eu consegui virar um pouco o pescoço para olhá-lo... Ele estava tão assustado, gritando de dor, tremendo de frio, e eu sem poder fazer muita coisa, mas tentei acalmá-lo como pude, e fomos administrando essa situação até que chegou o SAMU.
Confesso que quando vi o SAMU fiquei assustada... Não sei por que exatamente, mas eu tinha uma péssima imagem do SAMU, achava que só o Resgate do Corpo de Bombeiros é que trabalhava direito em situações como essa, e quando vi que no nosso caso seria o SAMU fiquei com medo de que algo desse errado... Ledo engano o meu... Depois vou escrever mais detalhadamente sobre o SAMU, mas por enquanto posso dizer apenas que eles são Anjos de verdade... pessoas incríveis que exercem um trabalho de devoção, e que acima de qualquer coisa respeitam profundamente as vidas com as quais estão lidando... Jamais poderei agradecer aqueles rapazes (se não me engano eles chamam-se "paramédicos")...
Bom, os rapazes do SAMU vieram, acudiram o Lucas, fizeram os exames de local com ele e acharam que ele só tinha alguma coisa na perninha direita, por isso a imobilizaram e então removeram ele para a ambulância... Daí começou o processo do meu resgate, que foi demorado, difícil e dolorido... Eu não conseguia me mexer, estava presa em algo da porta direita do carro (a batida foi bem no meio do carro, no lado direito, ou seja, o lado em que eu estava), e pelo tanto que eu gritava de dor os paramédicos acharam que eu tivesse realmente alguma lesão na coluna, e isso torna o procedimento ainda mais cauteloso e demorado...
Depois de quase 1 hora, finalmente conseguiram me tirar do carro, numa manobra dificílima que tenho certeza que deu muito trabalho à equipe, mas em nenhum momento eles titubearam... O tempo todo tentavam me acalmar, o tempo todo me davam notícias do Lucas, o tempo todo me chamavam de "senhora" e não encostavam em um fio do meu cabelo sem me pedir licença, sem me dizer por que aquilo era necessário...
Nesse meio tempo, durante o procedimento de resgate, eu consegui, não sei como, ligar pra minha irmã... Só consegui falar que tínhamos sofrido um acidente, e que estávamos na rua da minha casa... Minhas irmãs, meu cunhado e meu pai vieram muito rápido... chegaram quando estavam retirando o Lucas do carro, viram o carro naquele estado, aquele alvoroço de polícia e resgate, e então me viram lá, presa nas ferragens, com o rosto coberto de sangue e gritando de dor... Nunca vou esquecer a expressão de horror que vi nos rosto das minhas irmãs... Elas ficaram desesperadas, e eu mais ainda preocupada com elas, porque eu sabia que estava machucada, mas também sabia qua não era tão grave, e não conseguia dizer isso pra elas...
Também nesse meio tempo vi uma confusão em torno do condutor do outro carro, que bateu em nós... Percebi que muita gente queria bater no cara, e que a polícia precisou intervir... Vi rostos conhecidos de vizinhos e pessoas da redondeza, mas eu mal conseguia falar... Vi meu marido num desespero como nunca antes tinha visto... ele estava desorientado, desesperado, não sabia o que fazer, com quem falar... horrível...
Mas, voltando à ambulância... a droga de ser resgatado numa situação como essas é que tanto o SAMU como o Resgate obrigatóriamente te levam para um Hospital Público da região... não adianta falar que tem plano de saúde, não adianta pedir pra levarem pra outro lugar... é procedimento deles, regra que eles têm que seguir, e não tem jeito... Levaram o Lucas para o PSI de Carapicuíba (um açougue mirim), minhas irmãs ficaram lá com ele, e seguiram comigo para o Hospital Sanatorinhos... Eu até tinha uma imagem razoável do Sanatorinhos, mas apenas até aquele dia...
Naquela madrugada, eu conheci a "Filial do Inferno"... talvez mais do que isso, talvez ali seja o próprio inferno travestido de hospital, não sei... Só sei que ninguém merece aquilo....
Enquanto o pessoal do SAMU estava comigo, eu fui tratada com respeito e com dignidade... Enquanto o pessoal do SAMU estava comigo, me davam a todo momento notícias do meu filho, tentavam me tranquilizar e me acalmar... Mas os paramédicos foram embora, e então eu fui entregue completamente nas mãos daqueles monstros...
Eu sempre me fazia essa pergunta, e continuo fazendo: Por que há tanta gente que não tem o menor talento para lidar com doentes, com público, e mesmo assim segue essa carreira? Por que tantos profissionais dessa área tão importante não têm o menor respeito pelas pessoas que "tratam"??? Nunca entendi, e acho que vou morrer sem entender...
Depois de tirar muitos raio-x, me levaram na maca corredor adentro... eu não via muita coisa, estava amarrada na prancha e com colar cervical, mas fui empurrada na maca corredor afora até que me enfiaram numa sala que fedia... fedia mais que banheiro público, e eles me levaram até essa sala, encostaram a maca na parede e sumiram... todo mundo, sumiu! Me largaram lá, morrendo de dor, em cima de uma prancha dura, gelada, morrendo de frio, nua, coberta apenas por um lençol fininho, e quando eu disse que estava com frio apareceram com um cobertor mais fedido ainda, e jogaram aquilo de qualquer jeito em cima de mim...
Fiquei lá... horas a fio, sem receber uma única informação de ninguém... Como eu estava com colar cervical, não conseguia mexer nem mesmo o pescoço, mas se via a sombra de alguém passando pela porta tentava chamar, e era sempre ignorada... Escutava os risos das enfermeiras, o bate-papo nos corredores, mas ninguém aparecia pra falar comigo, e eu estava sendo consumida pela angústia de não ter notícias do meu filho, e de não ter visto um único rosto familiar desde a hora que adentrei aquele lugar...
Eu estava no soro, e a única pessoa que dirigiu a palavra a mim assim, de passagem, foi uma enfermeira que disse: "Vai dormir que a dor passa"... Percebi que era horário de troca de plantão (por volta das 7 da manhã), e então notei que a sala onde eu estava tinha uma divisória que dava para o vestiário das mulheres... De repente começou um furdúncio naquele lugar... um monte de mulheres falando ao mesmo tempo, rindo, contando histórias íntimas, pornográficas, pessoais, e riam, riam, riam em alto e bom som, pra quem quisesse ouvir... E eu ali, deitada naquela maca dura, morrendo de dor, sentindo aquele cheio insuportável, e ainda tendo que escutar aquela farra da troca do plantão... Chorei tanto, tanto... me senti completamente impotente, refém daqueles monstros desumanos!
A falta de informação foi tomando conta de mim... eu escutava a voz do Odylo no corredor, falando com um e com outro, falando no celular, e eu precisava falar com ele, eu precisava de notícias do Lucas... comecei a gritar... Gritei, gritei, gritei, e ninguém me deu a mínima... Então, segurei na lateral da maca e quase me sentei, e continuei gritando, gritando, gritando... As enfermeiras passavam, olhavam pra minha cara e seguiam... me ignoravam completamente... Foi nessa hora que eu percebi que estava numa sala lotada de entulho e de lixo... Um lugar horrível, todo bagunçado, sujo... Havia mais uma maca, com uma senhora que dormia...
De tanto que gritei, acabei levando uma bronca, me mandaram calar a boca e ameaçaram chamar a psquiatria para me sedar... Eu implorava por notícias do meu filho, pedia que deixassem meu marido entrar, mas eles apenas me mandavam calar a boca... Eu olhei para aquela maca, pensei se conseguiria sair dali e ir andando, daí lembrei que estava nua e que estava com muita dor na coluna, e que isso podia não dar certo... Chorei... Chorei muito... Chorei de dor, chorei de tristeza, chorei de desespero...
Deitei novamente, escutei um médico comentar que me deixaria em observação por 24 horas, e chorei mais ainda me imaginando naquele lugar e naquela situação por tanto tempo... eu não aguentaria!!! Depois de muito tempo escutei uma enfermeira conversando com o Odylo e dizendo: "... O senhor entre lá e acalme sua esposa porque ela está tumultuando o plantão, e se continuar assim teremos que sedá-la..."... Daí entrou o Odylo, já me pedindo calma, porque em Hospital Público é assim: quanto mais trabalho você dá, mais eles te tratam mal... Fiz ele jurar que ia me transferir daquele lugar para um hospital do Convênio, e ele disse que já estava tentando, mas que era tudo muito burocrático... Eu fui taxativa, disse que assinaria um termo de responsabilidade, mas que queria sair daquel lugar naquele momento, que não estava mais aguentando ficar ali... O Odylo me disse que o Lucas tinha fraturado a tíbia e estava sendo transferido do PSI para o Sanatorinhos, que devia estar chegando, e que logo eu estaria com ele... Isso me confortou um pouco... E o Odylo precisou sair...
O inferno ainda durou mais um bom tempo... o Lucas chegou, foi para a sala de gesso, eu o escutava berrando de dor e estava lá prostrada sobre a maca sem poder fazer nada... nunca sofri tanto, meu Deus!!! Ele foi engessado, a perna inteira, e teve alta, pois o ferimento dele era mesmo só (só?) essa fratura da tíbia... Já eu, tinha que ficar lá, e nem tinha nada fraturado!!!
Finalmente apareceu o médico, e veio com essa história de que eu não tinha quebrado nada, mas tinha múltiplas contusões e precisaria ficar em observação... Quase pulei na maca no pescoço do médico... Chorei de novo, e expliquei que precisava ficar com o meu filho, que tinha que ir embora também... Daí caiu a ficha do médico de que a criança que ele acabara de atender era meu filho, e ele acabou reconsiderando e me deu alta... Que alívio!!!
Disse: "Bom, então vou tirar o seu jejum, você toma um lanchinho e depois pode ir pra casa"... E logo veio o meu "desjejum"... um copo de "kisuco" de laranja quente e 2 bolachas água e sal murchas... Joguei tudo fora e quase nem tive paciência de me vestir, eu queria ir embora daquele lugar o mais rápido possível...
Viemos pra casa, e foi como nascer de novo... Eu fiquei bem machucada, mas o Lucas, tadinho, levou a pior... quebrou a perna, está com gesso até a virilha, sente dores, e eu não posso fazer nada por ele... Nessas horas não consigo ser nobre o bastante, e desejo muito mal àquele desgraçado que nos causou tudo isso...
Mas estamos bem, na medida do possível... Dores fazem parte do processo, como o médico falou, e eu estou aprendendo a lidar com elas... o Lucas também está melhor, se acostumando ao gesso e à imobilidade, e vamos aos poucos tentar superar tudo isso... foi horrível... horrível... mas estamos aqui pra contar a história, então, graças a Deus!!!
Eu nem queria chocar ninguém, então reduzi a foto do carro apenas para a lateral batida... Só pra terem uma idéia do que nos aconteceu... Diante de tamanho estrago, podemos até dizer que "nos machucamos pouco", e graças a Deus por isso... Poderia, realmente, ter sido muito pior!
Obrigada, "Papai do Céu"!!!
Um comentário:
Nossa, que tensão, gente!
Eu entendo parte do que você passou. Bem pequena parte mesmo porque não tenho filho e imagino que isso aumente ainda mais o desespero.
Nesse ano eu frequentei o hospital direto... e hospital particular! E não pense que muda muito, eles te deixam sozinho, demoram a atender, o descaso é geral e você que está meio debilitado entra realmente num desespero muito forte...
A pior parte foi quando eu tive uma infecção grave urinária, minha urina ficou puro sangue - de assustar os médicos -, era cistite misturada com problema renal e quando eu fui esqueceram de me atender... só atendaram quando eu comecei a gritar de dor e de desespero.
Ai, e os remédios...! Ficar no soro sem poder se mexer é terrível, então eu também pedi alta no desespero de ficar naquele lugar horroroso, sozinha... E em casa o ruim dos remédios é que a dor me dava enjoo e eu tinha vontade de vomitar tudo - e não podia... e segurava ao máximo, às vezes dava errado essa manobra, e começava tudo de novo... era tanto remédio que nunca vi na vida!
E me receitaram remédios que me deram uma ansiedade dos infernos... e eu quando tenho ansiedade é algo desesperador, que me dá quase pânico e eu penso em me matar, em gritar, gente, que pavoroso que é, não sabia o que era pior... a dor, o desespero. Eu ia de táxi pro médico (porque meu marido trabalhava no dia seguinte, era madrugada na maioria daas vezes e a gente não tinha carro) e eles me davam algum remedinho e eu tinha que dormir lá... dormia umas horinhas, ninguém me receitava um sedante decente que me acalmasse de fato. E ninguém sequer NOTOU que Plasil (remédio pro enjoo) é que tava me dando ansiedade...
Ficar doente já é ruim, ter profissionais lixos como esse nos "auxiliando", pior ainda.
Vira e mexe eu tenho ansiedade com remédios bestas, sou sensível a isso... aí acontece de eu ficar meio traumatizada. Da última vez eu tava no banho quando tive a crise... eu fiquei com medo de tomar banho (porquinha xD) por muuuito tempo - mas tomei, tááá? xD
Olha, espero que seu filhinho melhore... imagino sua aflição! Mas é bom que pelo menos feridas assim de fora se curam mais rápido com o tempo ^^
Beijos!
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