terça-feira, 5 de abril de 2011

Humor Inteligentão

Estou desde a semana passada relutando pra fazer um post sobre esse assunto, porque eu realmente não queria engrossar o coro dos imbecis que dão espaço para os imbecis a fim de mostrar o quanto são imbecis. Acaba que cai todo mundo na vala comum do oportunismo - surfar na onda da polêmica do momento, e eis-me aqui pra alimentar as estatísticas. Me perdoem por isso.

Mas o fato é que nem sempre eu consigo simplesmente ignorar o que me incomoda, e por mais que eu já tenha resmungado lá no twitter, não foi suficiente.

Não vou nem entrar no mérito das declarações nojentas daquele ser que atende pelo nome de Jair Bolsonaro. Esta criatura é figura folclórica da política nacional, e por mais inacreditável que pareça encontra-se no seu 6o. mandato, o que significa que não é de hoje que existe uma legião de adeptos às suas posições conservadoras e preconceituosas.

Por mais que me assuste muito saber que numa cidade como o Rio de Janeiro existem eleitores suficientes para colocar no poder um cara como este por 6 vezes, a verdade é que ele ocupa o cargo de Deputado legitimamente, já que foi eleito pelo voto direto do povo. É, portanto, representante de uma parcela da população, e não adianta agora, que ele está lá legitimado na sua função legislativa, espernear e querer arrancá-lo à força.

A única forma de extirpar de todas as esferas do poder mentes doentes que pensam como Jair Bolsonaro (apenas um exemplo dentre tantas outras aberrações que existem no cenário político) é através do voto, nas eleições. Isso todo mundo já sabe, e eu não vou ficar aqui desfiando o rosário da importância do voto consciente porque, né? É O ÓBVIO.

Por outro lado, estamos vivendo uma época de importantes transformações na sociedade, uma época em que luta-se cada vez mais abertamente pela quebra de paradigmas, pela derrocada de preconceitos e pela igualdade de direitos de todas as pessoas, independentemente de qualquer característica que as diferencie umas das outras. Assistimos ao longo dos últimos anos o crescimento de movimentos em prol das minorias, e a efetiva obtenção/proteção de alguns (ainda bem poucos) direitos.

É uma luta bastante dura, especialmente quando se encontra pelo caminho inimigos públicos como Bolsonaros e Malafaias da vida, mas a história tem nos provado que, por mais barulho que estes imbecis façam, estão cada vez mais insustentáveis suas posições extremas. Amém a nós todos, e que as coisas continuem neste caminho, até porque não há a menor chance de evoluirmos enquanto nação se não conseguirmos equalizar na prática direitos mínimos e fundamentais que já encontram-se rebuscadamente garantidos no artigo 5o. da nossa Constituição Federal.

Mas não era isso que eu queria falar, porque isso tudo é mais do mesmo e todos vocês já estão cansados de saber.

Quero falar mesmo sobre o CQC, Custe o que Custar! (sic!)

CQC, aquele programa de humor que atrai grande parte da audiência às segundas-feiras à noite (inclusive a minha, esporadicamente), e que se auto intitula "Humor Inteligente".

Aquele programa que é apresentado por meia dúzia de Humoritões metidos a modernex que através do programa alavancaram suas carreiras de comediantes de stand-up, e até hoje lotam as casas de show por onde passam com um público sempre ávido por suas "sacadas geniais" (sic!) e/ou piadinhas de gosto duvidoso.

Até aí também, ok. Não vamos discutir ética no humor porque é um assunto bem delicado, e eu mesma me contradigo às vezes nas minhas opiniões a respeito do assunto. Eles tem todo o direito de fazer as piadas que quiserem, e paga para ouvi-las quem quiser!

O problema é que por uma excelente estratégia de marketing quando do lançamento do programa, há alguns anos, esses caras até então quase desconhecidos do grande público foram alçados ao patamer de ídolos, formadores de opinião, humor inteligente, humor de conteúdo, e mais uma meia dúzia de adjetivos exagerados que os colocaram no patamar em que se encontram hoje. "Os caras".

"Formadores de Opinião". E não é exagero, infelizmente. Basta acessar o twitter de qualquer um deles para confirmar o fato. Um dos caras, inclusive, foi recentemente eleito o dono do perfil mais influente do twitter no Mundo. E ele "se acha". Com motivo, afinal... é mesmo influente, por mais que eu, particularmente, lamente profundamente esta influência.

Tive muito boa vontade com o CQC no começo. Até gostava. Até achava inteligente uma vez ou outra. Mas a prepotência foi subindo à cabeça dos caras de uma maneira que não demorou para que eles se tornassem vítimas de seus próprios egos, e de potenciais humoristas razoáveis viraram apenas uns idiotas que fazem as mesmas piadinhas estúpidas de sempre, mas se acham mais legais que os outros porque são "humoristas inteligentões". Pretensiosos. Insuportavelmente pretensiosos.

Já caíram em várias armadilhas por conta dessa megalomania irritante, e a mais recente - voltamos ao foco, finalmente! - foi o episódio Jair Bolsonaro. Todo mundo viu o quadro com o Deputado na semana passada, quando ele respondia perguntas do público com suas já conhecidas e asquerosas ideias preconceituosas. Todo mundo viu quando o Deputado se superou e surpreendeu até os estômagos mais fortes numa declaração explícita de racismo e homofobia, num lamentável e vergonhoso episódio de escrotice na televisão aberta. E (quase) todo mundo se indignou quando se deu conta que um programa do alcance do CQC jamais poderia ter aberto espaço para as manifestações nazistas de alguém como Bolsonaro.

Porque - e era aí que eu queria chegar - se a gente não pode impedir cabeças doentes como a do Deputado em questão de ocuparem uma cadeira no Poder Legislativo, podemos, por outro lado, calar a voz desses imbecis da maneira que conseguirmos. Quando falamos de um programa de televisão supostamente liberal e politicamente-correto, que adora levantar a bandeira de "defender ideiais" e sei lá o que, calar a voz dos imbecis seria, na minha opinião, mais que uma opção. Seria uma OBRIGAÇÃO.

O que o CQC fez ao conceder um bloco inteiro do programa para as escrotices de Jair Bolsonaro foi um desserviço a tudo que ele mesmo - CQC - prega. Foi um óbvio apelo ao sensacionalismo. APELAÇÃO. Pura e simples APELAÇÃO. Apelação DESNECESSÁRIA, aliás. E que pode ter um efeito muito mais nocivo do que ousamos imaginar.

Fosse o CQC um programa realmente INTELIGENTE, não precisaria recorrer a algo tão nojento pra alavancar audiência. Fosse o CQC um programa realmente comprometido com a liberdade, não precisaria abrir espaço para um político ogro emitir suas opiniões totalmente desnecessárias e ofensivas. Fosse o CQC um programa realmente inovador, não precisaria ceder a esta nojeira, que só fez atrair holofotes para um cara da estirpe de Jair Bolsonaro, que deve inclusive estar rindo à toa no aconchego do seu lar neste momento, enquanto pessoas que lutam pela igualdade de direitos se corroem de raiva por este enorme passo em vão que a mídia nos fez dar enquanto nação.

A cereja do bolo veio no programa de hoje, 1 semana depois da polêmica inicial. Novamente o CQC se valeu do escroto Bolsonaro para reforçar a audiência (e pelo visto conseguiu). Novamente concedeu-lhe um bloco inteiro para se justificar sobre as declarações da semana anterior, permitindo que dessa vez ele dissesse que, não, não é racista, é apenas homofóbico mesmo. Ah, tá! Melhorou muito! #not

O CQC abriu espaço para Bolsonaro continuar mantendo os holofotes sobre si. Permitiu que ele exibisse uma foto do cunhado negro na TV para em seguida declarar que "ora, vejam vocês, eu tenho um negro na minha família, logo, não sou racista!". Porque, obviamente, Bolsonaro pode ser IMBECIL, mas não é burro. Ele sabe que racismo é crime, e homofobia ainda não. Correu pra consertar a cagada que fez, provavelmente na intenção de produzir prova em seu favor no processo que já está sofrendo por racismo, mas manteve sua asquerosa posição com relação aos homossexuais, e como se não bastasse o programa da semana anterior, mais uma vez o CQC lhe deu espaço para fazer isso. Na TV aberta. Em rede nacional.

E quando a câmera voltou para o estúdio após exibição da matéria com o Deputado, fomos brindados por um Marcelo Tas fazendo discursinho pra inglês ver, segurando uma foto de sua filha e declarando que a moça é gay.

Bolsonaro mostrou a foto do cunhado negro pra provar que não é racista. Marcelo Tas mostrou a foto da filha gay pra... (???). Pois é! Uma patética competição para ver quem tem mais minorias por perto. Que vergonha!

(vou ali procurar umas fotos minhas com uma galera da favela pra provar que não sou elitista, porque, né? parece que essa vai ser a moda agora! ahh, vá!)

E sabe o que é ainda mais vergonhoso nessa pataquada toda? Marcelo Tas não disse apenas "essa é minha filha e ela é gay". O que ele disse foi: "Essa moça da foto é minha filha. Ela e bolsista na universidade-não-sei-das-quantas e mora no Exterior. É bem sucedida, apesar de ser gay" (tá, ele não disse "apesar de ser gay", mas, né? Precisava?).

Fiquei me perguntando: e se a moça não fosse essa sumidade toda aí, será que Marcelo Tas teria mostrado sua foto na TV e declarado apenas que ela é gay, mesmo sem ter outras qualidades pra amenizar seu defeitinho? Seria o Professor Tibúrcio Modernex um preconceituoso enrustido? Não é de hoje que ele manifesta seus preconceitos mais absurdos camuflados na sua fama de descoladinho. Lembram do episódio Juliana Paes? Então! Dessa vez ele conseguiu dar uma declaração quase pior que a do próprio Bolsonaro. Perdeu uma excelente oportunidade de calar a boca!

Acompanhando a repercussão do programa no Twitter, vi minha timeline ser inundada de vivas e u-hus por conta da declaração do Marcelo Tas. Porque, né? Ele jogou a isca e geral mordeu. E assim ninguém mais pode falar que ele errou ao abrir espaço para o imbecil do Bolsonaro porque, ora ora, ele tem uma filha gay!

WTF???

O que me deixa brava de verdade é perceber que esses caras pseudo formadores de opinião substimam a inteligência do público o tempo todo, e o público senta e aplaude. Galera tem preguiça de pensar sozinha, então pega carona na aba da figurinha do momento e sijoga numa vibe Maria-vai-com-as-outras que só colabora para que as coisas continuem indo de mal a pior.

É o exercício cotidiano da imbecilização. É a falta de personalidade, a falta de senso crítico, a falta de convicção.

Ser um cidadão consciente dá trabalho. Ter opinião sobre as coisas - até para poder votar direito - dá trabalho, requer informação, estudo, pesquisa, conhecimento. Acaba sendo mais fácil seguir os outros, e se este outro for o cara do programa de humor inteligentão, é até cool.

Ah, façam-me o favor! É por causa dessa preguiça de questionar as coisas e procurar as próprias verdades que Bolsonaros são eleitos sucessivamente, ano após ano. É por causa dessa preguiça de pensar que uma piadinha idiota é rapidamente taxada de "humor inteligente".

É por causa dessa preguiça de tomar posição diante das coisas que estamos nessa involução desenfreada.

Eu tenho medo de onde isso tudo vai parar. E queria fazer este alerta aqui.

Bora todo mundo refletir mais um pouquinho antes de aplaudir qualquer idiotice?

Questionar as coisas e desenvolver os próprios pontos de vista fazem muito bem!

Experimentem!

7 comentários:

Laudo Bonifácio Junior disse...

Concordo em genero, numero e grau. Muita coisa aparece com uma embalagem bacana, capa de livro bonito, quando na verdade e uma verdadeira arapuca. E geral abraca facil...vai na onda...Nao so a entrevista, mas outros quadros entram nesta vibe de "estamos de olho...estamos falando a verdade"...E logo eu que botava fe no Tas....decepcao total, porque os outros nao da nem pra falar. Parecia ate propaganda do Jair...e nao duvido que ele ganhou mais adeptos. e a historia de provar algo....que factoide de m.....Fazer o que...os caras tao na crista, audiencia la em cima, tao mais pra pedra do que vidraca...ainda bem que tem gente inteligente que nao entra nessa. e pra quem ta meio dormindo, nao deixe de escrever e colocar as coisas sob outro prisma. e isso ai...

luane disse...

"Fosse o CQC um programa realmente comprometido com a liberdade, não precisaria abrir espaço para um político ogro emitir suas opiniões totalmente desnecessárias e ofensivas."

Você é capaz de achar a contradição nessa frase?

você acha que só tem direito a liberdade de expressão quem concorda com você? ¬¬

Dona Farta disse...

Luane,

Destacando esse trecho isoladamente como você fez, retirando-o do contexto do post, sim, parece contraditório (e talvez seja mesmo).

Não há problema nenhum no fato de o CQC abrir espaço para Bolsonaros e Malafaias, muito pelo contrário.

Eu inclusive abri o texto falando que não adianta espernear contra o posicionamento deles se eles representam legitimamente uma parcela da população.

Entretanto, se o CQC quer seguir essa linha e servir de palanque para esses espécimes execráveis de políticos imbecis, que se assuma como tal então, e não camufle seus preconceitos na imagem de "humoristas inteligentes e engajados".

Eis a contradição: Querer ser um programa inteligente e cair no lugar comum da apelação fácil e do sensacionalismo sem sentido.

(mas é apenas a MINHA opinião!)

Italo disse...

O que não valia é, de fato, abrir uma segunda janela pro Bolsonaro. Se ele é "o cara", segurava a bronca. Direito de se mostrar, como foi da primeira vez, sim, ele teve, mas, uma retratação por pura audiência que é o que pude entender que foi essa vez ontem...Ah não. E, como comentou agora no Twitter, Danilo Gentilli: "Fiquei sabendo que a filha do @MarceloTas ontem ficou chateada por ele ter assumido em público que é pai dela."... Tem piada maior que essa?
Acho que não... Eu teria vergonha de um pai desse se fosse gay e ele um "formador" de opinião enrustido, que não sabe se posicionar como é o Tas.

Ana Lopes disse...

Achei válido o quadro pq trouxe a discussão a todos os meios de comunicação. Além disso, o Bolsonaro, que como vc mesma disse, já está no seu 6º mandato, está sofrendo uma série de questionamentos administrativos e até criminais.

Quanto ao fato do Tas ter dito que a filha é gay e bolsista, entendi que ele quis fazer um paralelo aos cotitas brasileiros, uma vez que o Bolsonaro afirmou que não voaria num avião pilotado por cotista e que jamais se submeteria a um médico cotista. Acredito que o Tas quis dizer que até mesmo as melhores e famosas faculdades americanas possuem o seu sistema de "cota". Será que a filha dele não entrou nessa faculdade por ser latino americana? Pensem nisso, pq foi isso que eu entendi. E viva a discussão e que as máscaras de outros Bolsonaros sejam discutidas em publico, com a finalidade de serem derrubadas!

Dona Farta disse...

Ana Lopes, obrigada pelo seu comentário!

É sempre muito válido analisarmos outros pontos de vista pra enriquecer o debate... acredito de verdade que esse seja o melhor caminho sempre!

Beijos,

Anônimo disse...

muito bom seu parecer