segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Encontros e Despedidas (e a Saudade)

Ontem à tarde fomos ao Terminal Rodoviário do Tietê aqui em São Paulo buscar meus enteados que vieram do Rio de Janeiro pra passar o Natal conosco.

Eu acho que nunca tinha ido à Rodoviária em época de festas de final de ano, e fiquei um pouco estupefata com aquele mar de gente chegando e partindo... A Rodoviária é enorme, e estava quase intransitável. Uma loucura.

Ficamos na área de desembarque aguardando a chegada do ônibus, assim como centenas de outras pessoas que se acotovelavam diante de uma parede transparente de vidro que separa o local de estacionamento dos ônibus da área de pedestres. Foram uns 20 ou 30 minutos de espera, não sei precisar, e pra me distrair neste tempinho fiquei exercitando algo que gosto muito de fazer: Observar pessoas.

Pessoas chegando e pessoas partindo. Pessoas se encontrando e se despedindo. Pessoas chorando de emoção por abraçar um ente querido recém chegado e pessoas chorando de tristeza porque um ente querido estava partindo. Uma avalanche de emoções. Não há como ficar indiferente a isso.

É curioso ver como as pessoas expressam essas emoções de maneiras tão diferentes. Gritos, abraços calorosos, histeria ou simplesmente um sorriso tímido, um aperto de mãos, um tapinha nas costas. Cada um é cada um, afinal!

Lá estava eu, observando a reação das pessoas que estavam ali na área de espera quando viam do outros lado a pessoa que esperavam descendo do ônibus. Ouvia as conversas que tinham através do vidro, às vezes deixando claro que eram pessoas que não se viam há meses, anos, muito tempo.

E então uma situação em especial me chamou a atenção e me atingiu como uma punhalada no peito.

Uma moça muito bonita, toda maquiada e toda espevitada, com um rapaz que parecia ser seu marido. O sotaque entregava suas origens nordestinas, e ela não parava quieta um segundo. Falava com alguém no celular, dizendo que o ônibus estava um pouco atrasado, depois reclamava com o rapaz que não aguentava mais esperar, que estava ansiosa demais, aí falava novamente com alguém no celular, andava de lá pra cá, não tinha como não notar. De fato ficou muito claro que ela estava esperando alguém muito especial, e que aguardava por aquele encontro há muito tempo.

Então chegou um ônibus e ela grudou no vidro, e começou a arregalar os olhos a cada pessoa que descia. E se mexia, e olhava, e dizia baixinho, como que pra ela mesma "cadê, meu Deus?"... até que deu um grito e puxou o rapaz que a acompanhava pelo braço e disse: "Ali, ali! Mainha chegou! É ela, eu estou vendo!".

Na mesma hora começou a chamar "Maiiiinha! Maiiiinha!", enquanto acenava com as duas mãos e dava pulinhos, até que uma senhora magrinha, de rabo de cavalo, rosto levemente envelhecido pelo tempo, aparência simples, vestindo uma blusinha regata, uma calça jeans e calçando um tamanco olhou e foi se aproximando, e seu sorriso foi se abrindo conforme ela foi reconhecendo a filha.

Fiquei toda arrepiada, e nem consegui segurar algumas lágrimas. Foi um momento tão simples e tão lindo, tão carregado de emoção. Mais do que isso, me atingiu em cheio, porque essa senhorinha - a mãe da moça, se parecia demais com a minha mãe. Muito mesmo, não só fisicamente mas no seu jeitinho simples, na sua roupa básica (minha mãe vivia de calça jeans e blusinha regata), no rabo de cavalo, no rosto cravejado de marcas do tempo que contam uma história de muita luta, enfim... até o tamanco que ela calçava parecia idêntico àqueles que minha mãe gostava de usar.

Não dá pra entender porque a vida faz isso com a gente. Quero dizer, a gente cria uma barreira que de alguma forma nos protege e nos impede de chorar a saudade 24 horas por dia. A gente cria uma barreira que de alguma forma nos ajuda a seguir com a vida apesar da dor da falta, porque não há outras alternativas. A gente cria uma barreira que de alguma forma nos empurra um dia após o outro sem sofrer copiosamente com cada pequena lembrança.

Mas aí acontece uma situação como essa e cai tudo por terra, e a saudade volta a nos golpear profundamente, e vem à tona aquela vontade de entregar os pontos e deixar a natureza fazer seu trabalho, porque a gente esquece momentaneamente qualquer outra razão pra continuar vivendo, e só consegue sentir a dor insuportável daquela ausência insbstituível.

Saudade latejante da pessoa que mais me amou nessa vida, saudade sufocante da minha rainha que foi tão sumariamente retirada de mim, de nós, do Mundo.

Fiquei ali por alguns minutos, pensando que a vida devia ser uma rodoviária, e todo mundo devia ter o direito de chegar e partir quando bem entendesse, e mesmo depois de partir, todo mundo devia ter o direito de voltar, porque se existe um lado bom na saudade é o fato de saber que poderemos matá-la um dia, abraçando novamente aquela pessoa que um dia partiu.

Sentir uma saudade que nunca diminuirá é torturante. Saber que minha mãe se foi e que nunca mais vai voltar é uma verdade que dói tanto quanto o momento em que ela partiu. Não dá pra descrever.

Eu queria poder estar como aquela moça, saltitante e ansiosa esperando minha mãe. Eu queria poder sentir a sensação que aquela moça sentiu quando seus olhos encontraram novamente os olhos da sua mãe. Eu queria poder abraçá-la só mais uma vez, ter o prazer de encontrá-la como tinha todas as vezes que isso acontecia, mesmo que fossem todas no mesmo dia, com intervalos de poucos minutos.

Minha mãe era tão ESPECIAL, puxa vida... fico pensando nisso, e pensando como é absurda essa decisão Divina de tê-la levado tão cedo. Definitivamente isso não foi justo, e nunca vou aceitar.

Quisera eu que esta partida fosse temporária. Quisera eu que ela um dia fosse voltar. Mas não...

Como diz a música, "tem gente que vai pra nunca mais..."





P.S.: Esta época de festas é sempre muito difícil pra quem perdeu alguém tão querido. Por mais que eu tente não me apegar muito a datas, não há como negar o Natal. Claro, nunca mais terá o mesmo sentido, mas cá estou eu no meu exercício cotidiano de tentar acreditar que é preciso celebrar, e que Ela estará conosco em espírito, por mais que meu egoísmo me impeça de ficar satisfeita com isso.

Quero deixar um beijo muito especial pra minha amiga blogueira Fernanda Perrú, que perdeu a mãe este ano e que vai passar agora pelo seu 1º Natal sem ela. Força, Fernanda! Sei como é difícil porque este será o meu 3º Natal sem minha mãe e ainda assim a dor é insuportável. O tempo não cura, não neste caso. Apenas nos ensina alternativas para trancaficar nossos sentimentos a uma distância segura, mas aí vem o Natal tudo volta à tona.

De alguma forma, saber que outras pessoas passam pela mesma dor que eu acaba me ajudando a seguir em frente, e talvez seja por isso que nos encontramos na Blogsfera, não é mesmo?

Desconfio até que nossas mamis já viraram grandes amigas lá onde estão. Tomara!

2 comentários:

Fernanda disse...

oh amiga...
me emocionei tanto com suas palavras...
dói tanto
vc sabe...
obrigada por entender e dividir esse sentimento!
bjks!

Maciel Queiroz disse...

Flavinha,

Eu só tenho que agradecer suas belas palavras, que com ctz me deixaram tbm muito emocionado, principalmente por virem de uma prima que há muito tempo não vejo (acho que 8 anos!!! Tá bom desse encontro rolar, né?) e q mostra ser uma pessoa extremamente especial.

Se vc diz que eu sei passar emoção no que eu escrevo, aqui vc fez muito mais.

Através de um fato corriqueiro vc exemplificou muito bem o que a vida poderia ser, ou seja, "uma grande rodoviária".

Isso foi muito bonito e poético!

E vc conseguiu tirar algo tão belo através de um relato tão triste e doloroso, que humildemente fez questão de compartilhar conosco, o que com ctz é para poucos.

Em relação ao post, vc pode linkar o que quiser. Como se diz "aqui em nóis vc manda soltar e manda prender"...hehehe

E valeu pela dica do especial na Record! Brigadão msm!

Vou ficando por aqui e aproveito para desejar um ótimo e Feliz Natal para vc, Odylo, Lucas, Tio e as outras priminhas Cátia, Silvia e Lígia! Tudo de bão!!! Bjosssss