quinta-feira, 30 de abril de 2009

A Máquina que Inviabiliza a eficiência do Serviço.

Responda rápido: Quantas pessoas você conheceu / conhece que dedicam grande parte de suas vidas a estudar para passar em um concurso público?

Muita gente, né? Muita gente que é atraída pelas maravilhas do serviço público - estabilidade, boas remunerações, licenças prêmio, bônus por tempo de serviço, etc, e em tempos de crise econômica e recessão no mercado de trabalho, certamente esta é a única luz no fim do túnel de muitos desempregados.

Tem gente aliás que presta concurso para qualquer cargo, a pessoa quer uma carreira pública de qualquer jeito, não importa fazendo o que. E assim existem médicos prestando concurso para ser Fiscal da Receita, existem engenheiros prestando concurso para ser Técnico Judiciário, e muitas outras combinações surpreendentes, que me causam muito espanto.

Se uma pessoa faz faculdade de engenharia ela não deseja ser engenheira? Vai querer ser Agente da Polícia Federal por que, meu Deus? A menos que ela tenha realmente um talento nato pra coisa (o que não justificaria sua escolha equivocada da formação superior), fica bem claro que as pessoas estão focadas apenas no que a carreira pública vai representar financeiramente, mas esquecem-se que junto virá algum trabalho que possivelmente seja chato, cansativo, burocrático, e que talvez ela não leve o menor jeito para realizar.

Até aí, tudo ok. Acho ótimo que as pessoas queiram trabalhar e melhor ainda que se dediquem a um objetivo com tanto afinco. Acho ótimo que as pessoas tenham a chance de ingressar numa carreira que promete estabilidade e eventualmente evolução profissional. Mas também acharia ótimo que as pessoas continuassem se dedicando da mesma forma às suas carreiras depois que efetivamente ingressam nela.

Vamos a um alerta inicial: Não pretendo generalizar, embora vá parecer que sim. Tenho certeza absoluta de que existem muitas pessoas extremamente dedicadas a suas carreiras públicas e inclusive reconheço que é por isso que alguma coisa ainda funciona no nosso país, mas infelizmente refiro-me neste post à outra parte, às pessoas que compoem na minha opinião, senão a maioria, certamente uma representação considerável do funcionalismo público.

E falo sem medo de cometer injustiças porque lido com estas pessoas todos os dias há mais de 10 anos - considerando apenas o exercício da advocacia.

É um assunto delicado de se abordar porque eu inclusive tenho muitos amigos que são funcionários públicos, e mais ainda parentes. Há uma parcela da minha família, aliás, que tem uma certa obsessão por carreiras públicas, quase todo mundo trabalha para a máquina do Estado (e quem ainda não trabalha está em busca de). E quase ninguém se conforma que eu - formada em Direito, Advogada, não esteja estudando ferrenhamente para ser Juiza! Seria o caminho óbvio. Seria o caminho seguro a seguir.

Acontece que eu nunca fiz Direito para ser Juiza. Fiz Direito para ser Advogada, e modéstea à parte sou muito boa no que faço. À exceção os ossos do ofício que o tornam menos charmoso do que eu gostaria, a verdade é que eu amo a minha profissão, e não vejo absolutamente nenhum atrativo em ser Juiza. Sou boa Advogada, talvez não fosse uma boa Juiza.

E é este o raciocínio que todas as pessoas deviam fazer, mas cegas pelo foco errado na estabilidade e demais "benefícios", não fazem.

E não fazendo, ingressam em carreiras públicas que lhes frustram as expectativas profissionais, ingressam em carreiras que lhes lotam de trabalho burocrático e chato, para o qual não tem nem nunca tiveram vocação.

E a insatisfação provocada por estas frustrações transformam estas pessoas em profissionais medíocres, que ao longo do tempo vão dando cada vez mais o pior de si ao serviço público.

E esse trabalho ruim oferecido pelos servidores faz com que toda a máquina pública funcione de maneira extremamente ruim, inviabilizando totalmente qualquer chance de sucesso, em qualquer área.

Eu falo com mais propriedade da Justiça, porque é com ela que eu lido cotidianamente. Mas não é diferente com a saúde e com todos os outros serviços.

A coisa mais fácil de se encontrar em hospitais públicos, por exemplo, são médicos que não gostam de lidar com gente pobre, com gente simples, com gente ignorante das classes menos favorecidas. E também não gostam de trabalhar em hospitais que não tem recursos, que muitas vezes não tem sequer uma cadeira decente para se sentar, muito menos uma maca para acomodar um doente mais grave.

Eu acredito mesmo que deva ser bem difícil lidar com esta realidade, já precisei por diversos motivos - sendo o mais recente quando sofri o acidente em 2007 - lidar com a realidade de um hospital público, e não posso imaginar que uma pessoa estude tantos anos desejando aquele ambiente como futuro profissional. Não. Tenho quase certeza que os estudantes de medicina sonham em salvar vidas em condições muito mais adequadas.

Não é segredo para ninguém que os hospitais são desprovidos de recursos mínimos e que a população é absolutamente carente. E aí o médico, que se formou e já pode exercer sua profissão em qualquer lugar, opta por prestar concurso público. No momento em que faz esta opção, ele está ESCOLHENDO trabalhar naquelas condições e com aquele público, ele está ESCOLHENDO lidar com todos os problemas que já citei e tantos outros, ele está ESCOLHENDO seu futuro profissional. Ainda que movido por alguma ideologia ou convicção pessoal, ele está ESCOLHENDO aquele caminho.

E quando chega lá, quando finalmente passa no concurso e vai trabalhar no Hospital Público da periferia, o que ele faz? Ele trata mal as pessoas, ele não tem paciência com a limitação da população em entender coisas que parecem tão óbvias, ele falta ao plantão - porque sabe que não vai "ser mandado embora", ele comete grosserias que seriam inaceitáveis porque sabe que qualquer um que reclame é só mais uma voz não ouvida. É como se dissesse: "é o que tem pra hoje, se não quiser, vai embora!", como se ele estivesse ali fazendo um favor pras pessoas, e não trabalhando. Como se ele estivesse ali por obrigação, e não por opção. E a verdade é que não só foi uma opção como ele está sendo remunerado por isso. E devia fazer o mínimo, incluindo-se aí o mínimo do respeito ao próximo.

Sem generalizar, como já disse, mas é isso que vi na maior parte das vezes que tive algum contato com esse universo da saúde pública. Eu tenho certeza que para as pessoas simples que estão ali esperando atendimento, muito pior do que não ter uma poltrona confortável para aguardar sentado é ser destratado por alguém que se julga melhor só porque possui um jaleco branco.

Se eu tivesse oportunidade, eu diria pra esses médicos: "Se você não gosta dessa realidade, porque não vai procurar emprego num hospital particular, para lidar com gente de classe social mais elevada e para ter mais recursos?", e faria esta pergunta por fazer, porque a resposta é muito óbvia: Ingressar numa empresa privada requer muito mais empenho do que passar em uma prova escrita. Trabahar numa empresa privada significa a necessidade de demonstrar resultados, de cumprir metas, de seguir regras, sob pena de ser demitido. Num Hospital Privado, um médico que destrata um paciente pode ser punido, se deste incidente houver uma reclamação formal do ofendido. Não há estabilidade, e é por isso que qualquer funcionário precisa lutar dia após dia pela manutenção do seu emprego, porque não há nenhuma regra que lhe garanta o acobertamento disfarçado de estabilidade. E trabalhar assim dá trabalho. Então os preguiçosos correm para o Serviço Público porque lá é só atender de qualquer jeito e pronto, o salário estará na conta no final do mês.

Parece radical, e eu gostaria muito de estar errada. E vou sempre esperar pela prova de que toda essa minha leitura dos fatos está errada.

Na Justiça, que é a minha praia, não é diferente. São Juizes que escolheram estudar direito já de olho numa carreira que sequer conheciam, e que só depois, quando chegam lá, descobrem que odeiam profundamente; são servidores que odeiam lidar com aquelas pilhas intermináveis de processos encardidos (já ouvi isso da boca de muitos), mas que estão fazendo a mesma coisa há 15, 20 anos, tudo pela estabilidade; E a partir daí toda sorte de aberrações são vistas por qualquer um que se aventure em um Fórum num dia comum.

Depois de tantos anos de exercício da advocacia, posso dizer que já travei incontáveis brigas com servidores e juizes. Já ouvi cobras e lagartos e já cheguei muito perto do desacato por não conseguir me controlar diante de absurdos inimagináveis. E sou muito frustrada por ter freado meus ímpetos em todas estas oportunidades, atendendo os apelos da minha razão, aquela que sabe que algumas brigas são perdidas e que, pelo bem da minha sobrevivência profissional, talvez fosse melhor não levá-las adiante.

Não é fácil, sabe? Muitas vezes atravesso a madrugada dando o melhor de mim a um trabalho, e depois vejo tudo ir por água abaixo porque o Juiz está cansado e prefere decidir a questão com base no que ele acha para não ter o trabalho de analisar os autos. Acham que isso não acontece? E como acontece! Eu diria até que esta é a regra.

Mas sabe, quem leva a fama de enrolador é sempre mesmo o Advogado, né? Deve ser isso que os Excelentíssimos pensam. É o Advogado que vai lidar com a insatisfação do cliente, é o Advogado que vai ter que explicar para o cliente que aquele direito que ele tinha líquido e certo expresso literalmente no artigo da lei, foi negligenciado porque o Juiz decidiu que dessa vez ia ser diferente.

É o Advogado que tem que administrar a demora na solução dos processos junto ao cliente, é o advogado que tem que repetir, a cada ligação semanal do cliente, que "seu processo ainda está com o Juiz", para que o cliente desligue o telefone P da vida e saia remungando: "Esse advogado só me enrola!"

Certa vez cheguei a uma determinada Vara de um Fórum aqui em São Paulo para consultar um processo, umas 09h15, mais ou menos (o Fórum abre às 09h00). Encostei no balcão vazio, e notei que havia uma aglomeração dos funcionários numa mesa lá no fundo, um zumzumzum como se alguma coisa anormal estivesse acontecendo.

Aguardei 15 minutos, contados no relógio, como sempre faço. Ninguém sequer notou a minha presença, apesar de eu ter feito um ou outro barulho proposital para denunciar que estava ali. Estavam todos muito empolgados com alguma coisa que eu ainda não tinha entendido o que era (e não havia ninguém nas outras mesas, ninguém trabalhando).

Esgotada minha paciência, chamei alguém. E alguém veio, de cara feia por ter a "diversão" interrompida. Pedi o processo, ele foi procurar. Aos poucos a rodinha foi se dispersando, e então eu pude ver que uma funcionária tinha levado para o trabalho uma gaiola com 2 ratinhos, e os colegas estavam todos ali, deslumbrados com as habilidades dos roedores. Que coisa meiga, não?

Cena absolutamente completamente bizarra, absurda, inaceitável, especialmente considerando que a desculpa eterna da Justiça para não andar é o excesso de processos e a falta de funcionários. E se os poucos funcionários não trabalham quando deveriam fazê-lo, bom, então realmente não há a menor chance de luz no fim do túnel. Para deixar a história ainda mais surreal, 10 minutos depois de procurar meu processo naquela zona que é cada uma das Varas da Justiça, o funcionário voltou com a frase que todo Advogado ouve de vez em quando:

_ Doutora, não encontrei o processo, a senhora pode voltar outro dia?
_ Oi?
_ O processo, Doutora, não estamos encontrando, deve estar em alguma das mesas, mas precisamos procurar.
_ Ok. Então procure, por favor.
_ Ah, mas a senhora não quer voltar outro dia, assim podemos procurar com mais calma?
_ Não, meu bem, por favor procure agora, que eu já estou aqui há 30 minutos e vou esperar.
_ Doutora, mas a senhora tem que entender que nós não podemos parar a atividade de toda (com bastante ênfase no toda) a Serventia para procurar o seu processo! Nós temos prazos a cumprir, tá todo mundo atolado, não existe só o processo da senhora aqui, sabia? Um pouco de compreensão por parte da senhora seria de bom grado, afinal, não é fácil pra nós!
_ Eu compreendo, e sinto muito, muito mesmo. Ainda assim, gostaria de ver meu processo, por favor.

O fulano saiu pisando duro. Passaram-se mais 10 minutos sem que o processo aparecesse (acreditem, isso é super comum), outro funcionário veio me pedir mais uma vez para voltar outro dia, pois precisariam procurar em mutirão, e para não criar uma cena histéria eu simplesmente virei as costas e fui embora. E naquele dia, à tarde, tive que dar mais uma desculpa para o cliente, que ligava querendo saber porque não tinha notícias do seu processo há tanto tempo.

E são só exemplos, viu, minha gente? Só exemplos...

Por que será que as pessoas optam por um futuro frustrado? Por que será que escolhem carreiras nas quais nunca vão se satisfazer? Por que será que se sentem acima do bem e do mal por serem titulares de um cargo público? Por que será que descontam suas frustrações na população, que não tem nenhuma culpa pelas suas escolhas?

A maioria das respostas nos leva para a obviedade do dinheiro/estabilidade. O que me leva a outra reflexão:

Por que as pessoas são tão medíocres? Não que eu não goste de dinheiro, muito pelo contrário, mas se eu posso ganhá-lo fazendo algo que me dá prazer - por mais difícil que seja (e sempre é), por que eu escolheria ganhá-lo as custas de um sacrifício tão grande como a frustração profissional? Se já é difícil trabalhar todos os dias naquilo que se gosta, não posso imaginar como deve ser difícil trabalhar todos os dias com algo que se odeie.

Será que essas pessoas são realmente tão limitadas, que não conseguiriam alcançar sucesso no mercado privado de trabalho, através da competição saudável numa empresa que impõe regras e metas e pressão, e por isso precisam contentar-se com uma carreira pública acinzentada?

Que coisa triste! Já seria suficientemente triste se provocasse consequências apenas sobre a vida de quem fez estas escolhas, mas o duro é que não é.

As escolhas e comportamentos equivocados destas pessoas contribuem para a manutenção desta máquina velha e enferrujada que inviabiliza totalmente qualquer chance de eficiência no serviço público.

Deprimente.
P.S.: Peço desculpas se alguém se ofender com as coisas que eu disse aqui, não foi esta a intenção. Sou a primeira a reconhecer a extrema importância do servidor público, e tenho certeza que aqueles que prestam um bom serviço, dedicando-se e oferecendo à população o melhor de si, entenderão que os meus protestos estão direcionados apenas para aqueles que não fazem a sua parte e acabam tirando a credibilidade de toda a classe.
Sou advogada e também sofro preconceitos - pago pelos maus, e sei que pode ser revoltante, mas também sei que é fácil reconhecer o fundamento em qualquer queixa desta natureza, até porque fatos são fatos, e estão aí pra quem quiser conferir. Espero que compreendam!

Um comentário:

Luciana disse...

Estou passada com o que vc falou que passou no hspital, infelismente é isso mesmo que acontece. absurdo. E te garanto que hj ainda é assim ou até pior. è muito pouco caso . absurdo. Estou passado mesmo..
Bjs
Luciana