sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Posso Desabafar? Desculpe, mas eu PRECISO!


Não sei se vai adiantar, mas eu preciso por isso pra fora de algum jeito... Vir aqui e escrever foi a primeira alternativa que me ocorreu...

Sabe aquela história de que o tempo cura todas as feridas, de que com o tempo a gente aprende a lidar com a dor da perda de uma maneira mais branda? É tudo balela, é tapar o Sol com a peneira, é mentir para si mesmo tantas vezes, talvez o suficiente para fazer isso parecer uma verdade absoluta, quando não é...

Ah, meu Deus!!! Como é difícil não ter minha mãe aqui... como é difícil, na verdade, é mais que difícil... é um sacrifício diário, é uma batalha cotidiana pra se passar mais um dia, e mais um, e mais outro... Só que eu estou tão cansada de "ser forte", estou tão cansada de me esforçar até o meu limite pra tentar encarar essa ausência com bravura... Tão cansada que esses dias eu me entreguei...

Me entreguei ao sofrimento, me entreguei à dor, me entreguei à saudade, me entreguei à tristeza...

Ninguém, absolutamente ninguém nesse mundo consegue amenizar a dor que eu sinto pela falta da minha mãe... Eu precisava dela aqui, precisava dividir tanta coisa com ela, mas não a tenho mais, não fisicamente, não aqui no mundo real, e ter que me contentar com a companhia dela "de lá de onde ela está" é muito pouco... Não dá... Não aceito... Não aguento...

Eu ligava pra ela todos os dias, às vezes várias vezes num mesmo dia... Conversava com ela sobre tudo, desde as coisas mais banais até os problemas mais complexos, e só ela sabia me ouvir daquele jeito, só ela sabia dizer a coisa certa, mesmo que fosse algo que na hora me desagradasse... Ela sabia tudo que se passava comigo, até as coisas que eu omitia... Coisa de mãe, claro... só mãe... só esse ser supremo que a vida injusta me tirou prematuramente...

Pra quem eu posso ligar agora? Pra quem contar as histórias, as trapalhadas, os sucessos e os fracassos? Com quem dividir o cotidiano de maneira tão plena??? Não, não é justo... não, não dá pra aceitar, muito menos pra se conformar...

Claro, eu tenho amigos... muitos, e todos maravilhosos... Claro, eu tenho meu marido, meu pai, minhas irmãs... Amo todos incondicionalmente, tenho uma relação particular com cada um deles, mas nada se compara à minha mãe... Nunca, jamais voltarei a ter aquilo com alguém... jamais voltarei a ter pra onde correr sem um pingo de vergonha, jamais terei a quem demonstrar minha fragilidade... Jamais, e essa certeza que só fica maior a cada dia que passa tem me consumido, tem acabado comigo...

Ando me sentindo muito só... É louco isso, porque estou sempre rodeada de pessoas queridas, sou uma privilegiada, eu sei, e sei também que muita gente vai me abraçar aconteça o que acontecer, vai me dar forças se eu precisar, vai estar do meu lado na hora que eu estiver caindo... Sei disso, isso me conforta, é claro, mas eu queria mesmo minha mãe, e ninguém mais...

Não sei o que aconteceu comigo... eu sempre fui "Forte", sempre tive essa necessidade de demonstrar fortaleza em qualquer situação, sempre me cobrei muito nesse aspecto, tinha que ser uma mulher de fibra o tempo todo, tinha que ser aquela que sabe lidar com qualquer problema de maneira coerente e serena, tinha que estar bem para acudir quem não estivesse, tinha que ter a lucidez que faltava aos demais pra aceitar as coisas que eu não podia mudar... Sempre fui muito racional, até na hora do sofrimento, até na hora de seguir em frente... Mas a minha máscara caiu, e o que apareceu por baixo dela foi uma mulher completamente desorientada por não ter o colo habitual pra onde correr, uma pessoa tomada por um sofrimento sufocante que não consegue sequer falar sobre ele...

Isso tem me deixado rabugenta, isso tem me deixado meio "intragável", e sei que muita gente não consegue entender o que se passa comigo, uns dias tão afável e em outros simplesmente fora do ar, simplesmente reclamona, simplesmente "chata" (pra ser legal comigo mesma)... Tenho plena consciência disso tudo, mas é mais forte do que eu.... Ninguém jamais entenderá, ninguém jamais terá uma idéia sequer aproximada do que é viver com essa ausência, a ausência da própria mãe... devia ser proibido, devia haver uma Lei Universal que proibisse que as mães morressem, mas, muito mais do que isso, devia haver uma Lei Universal que tivesse impedido a Minha Mãe de morrer... isso jamais poderia ter acontecido, jamais... isso jamais vai ter uma lógica, jamais... essa ausência jamais vai ser aceita... JAMAIS... Simplesmente porque não é justo, simplesmente porque foi uma tremenda sacanagem da vida, simplesmente porque ela jamais podia ter morrido!

Tem horas que tudo que eu queria era que o mundo me esquecesse... tudo que eu queria era poder ficar invisível, dentro de uma bolha, só eu e meus pensamentos, meus sofrimentos, minhas dores, sem que ninguém falasse comigo, sem que ninguém sequer lembrasse da minha existência...

Tem outras horas em que tudo o que eu queria era que alguém aparecesse e dissesse alguma coisa, mas não qualquer coisa... tinha que ser "a coisa certa", mas nem eu mesma sei o que seria essa coisa certa... Nessas horas, eu tento me comunicar com o mundo, mas começo ouvir mais do mesmo de sempre, e isso acaba deixando as coisas piores... As pessoas não têm culpa disso, lógico, não têm idéia do que se passa no meu interior, mas a minha vulnerabilidade me faz ser egoísta o bastante pra sentir raiva por não ter encontrado aquilo que eu precisava...

É louco, eu sei, e ninguém tem obrigação de aguentar essa loucura... Por isso, mais uma vez, dói tanto a ausência dela... porque ela era a única pessoa na face da terra a me suportar até quando eu merecia apenas um tapa na cara, a única pessoa que conseguia lidar comigo até quando eu agia como uma cretina idiota que não valorizava o maior tesouro do mundo, a única pessoa capaz de "domesticar" a fera que muitas vezes escapou do meu controle...

Também era só ela que era capaz de dar o valor que eu esperava a uma historinha qualquer que eu contasse sobre o meu dia... era só ela que conseguia entender antes mesmo de eu falar o que eu estava esperando com aquela conversa, e só ela conseguia reagir exatamente da maneira que eu precisava, sempre...

Se minha mãe estivesse aqui, eu poderia ter ligado pra ela hoje um milhão de vezes... Teríamos ficado horas no telefone, esticando um assunto cotidiano e emendando em outro, e mais outro, e mais outro, e no meio dessa conversa toda ela iria me dar conselhos, ela iria me dar broncas, ela iria demonstrar o profundo amor que sempre devotou a mim e me deixaria a certeza de que eu poderia voltar a ligar 1 minuto depois que ela me daria a mesma atenção, ainda que eu repetisse todo o mesmo assunto... Ela teria percebido que eu estou triste, mesmo sem eu dizer isso explicitamente, e algum tempo depois apareceria aqui em casa pra conversarmos mais, sobre qualquer coisa, e logo nem eu mesma me lembraria o porquê daquela tristeza...

Se minha mãe estivesse aqui, hoje eu poderia ter ido vê-la, poderia ter assistido àquelas cenas sempre inusitadas dela fazendo macaquices com o Lucas, poderia ter ficado lá, deitada na beira da cama dela conversando até quase meia-noite, sem me dar conta da hora adiantada, e também nesse caso a tristeza iria embora discretamente, sem eu nem me dar conta...

Se minha mãe estivesse aqui, eu poderia ter chorado na sua frente, e ela me confortaria, e eu não teria chegado nesse ponto em que cheguei por ficar segurando o sofrimento o tempo todo...

Se minha mãe estivesse aqui, haveria razão pra eu ser plenamente feliz... Se minha mãe estivesse aqui, haveria razão pra eu estar animada com a proximidade do final do ano... Se minha mãe estivesse aqui, eu não estaria assim...

Mas ela não está... Está comigo, mas de um jeito que pra mim não basta... é egoísmo, é drama, é tudo isso e eu tenho plena consciência, mas como eu já disse minha máscara caiu, e sobrou isso... alguém entregue à tristeza de uma dor que nunca, jamais, tempo nenhum, nem os séculos e mais séculos serão capazes de amenizar... Não há justiça nisso... A gente fica se enganando dizendo que tudo tem seu motivo, mas não tem... Nada justifica a partida da minha mãe, nada justifica a ausência dela nesse mundo, nada é capaz de dar sentido completo à vida depois que ela se foi... É tudo muito injusto, ela não poderia ter partido tão cedo... O mundo é injusto, porque permite que fiquem aqui pessoas imundas que não são dignas de viver, enquanto minha mãe teve tão pouco tempo... A vida é uma máquina quebrada, que funciona de maneira totalmente sem lógica, e essas perdas só servem pra nos enlouquecer... é assim que me sinto hoje, e nos últimos dias... Não é blasfêmia, não é nenhum absurdo... é a minha sinceridade, é como eu sinto as coisas aqui dentro do meu peito....

Eu sei, eu sei... você deve estar aí dizendo aquilo que eu também já ouvi um milhão de vezes: "Pára com isso, Flávia, porque você tem um filho e tem que focar nele"... Eu já ouvi isso, com certeza, mais de um milhão de vezes... Quando não da boca alheia, da minha própria consciência...

Acham que não me cobro isso o tempo todo??? Acham que não tenho consciência de que preciso acreditar nisso cegamente???? É claro que tenho, e graças a Deus herdei da minha mãe aquele amor sem fronteiras que ela tinha por mim, graças a Deus amo meu filho também de uma maneira tão intensa que até dói, que até desespera, e claro que é isso que me faz levantar todo dia e dar o melhor de mim a essa vida injusta...

Claro que meu filho é minha fortaleza, embora eu ache tão injusto uma responsabilidade tão grande a alguém ainda tão pequeno e inocente... E me dói ainda mais quando vejo que ele também sofre a perda da avó até hoje, assim como eu tenta ser forte, mas não consegue passar um dia sequer sem falar algo sobre a avó... Gente, vocês não têm idéia... isso dilacera, sabe??? Isso é cruel demais... Eu não consigo explicar ao meu filho, quando ele me pergunta, porque a vovó morreu... Não consigo, tento tento e não consigo, e então ficamos eu e ele, duas "crianças" órfãs, completamente sem explicação...

Mas estou aqui... entregue às lágrimas, mas aqui, porque sei que o meu lugar é aqui, pelo menos por enquanto... não aceito que o lugar da minha mãe não seja mais aqui, mas mesmo revoltada, entendo que o meu lugar ainda é aqui, então não me restam alternativas...

Talvez me entregar ao sofrimento com tanta intensidade acabe no fim das contas me fazendo bem, sei lá... Desde que ela se foi, não me lembro de ter ficado tão vulnerável... talvez eu precisasse disso... talvez não, mas minha mãe não está mais neste Mundo, e só ela saberia me dizer o que fazer...

Então, só me resta esperar... só isso... Desculpem o "drama"... eu não gosto de me expor quando estou assim tão vulnerável, mas a solidão estava me sugando demais, a ponto de eu quase não conseguir respirar... e como não tenho outra opção, vim por tudo pra fora aqui mesmo... de peito aberto, deixando registrado pra quem quiser saber, pra quem quiser criticar, pra quem quiser se compadecer, pra quem quiser ter pena, e pra quem quiser simplesmente não fazer nada... Não importa... é só mesmo um desabafo, e tomara que me sirva pra alguma coisa, pra mim mesma...

Boa Noite... voltarei às minhas lágrimas... uma hora elas secarão, eu sei que secarão...

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