terça-feira, 29 de janeiro de 2008

A História da Máquina Humana

Hoje meu filhote voltou às aulas... e eu passei a última noite em claro encapando os livros e cadernos dele, etiquetando tudo, aquela trabalheira de mâe "perfeccionista".

E passei a noite em claro fazendo isso porque, como diria uma amiga, sou uma pessoa "caótica"... Sou daquelas que deixa tudo pra última hora, simplesmente não consigo fazer as coisas com antecedência... Sempre foi assim, desde criança eu tinha esse péssimo hábito de fazer a lição de casa na última hora, os trabalhos escolares na última hora, na época da Faculdade eu só estudava pra prova na última hora, e hoje em dia se tenho um trabalho jurídico importante pra fazer, adivinhem? Faço sempre aos 45 minutos do segundo tempo, geralmente de madrugada... Funciono muito melhor de madrugada, aliás!

Costumo justificar esse meu comportamento com a explicação de que "trabalho melhor sob pressão"... E trabalho mesmo... por mais louco que pareça, ter o relógio contra mim é um estímulo para que eu faça o melhor, invariavelmente produzo meus melhores trabalhos durante a madrugada, e já perdi a conta das vezes em que amanheci o dia na frente do computador redigindo algo...

Durante esta noite, enquanto eu preparava o material escolar do Lucas, acabei lembrando de uma história da minha infância, uma história que seria trágica, se não fosse cômica (ainda bem que posso rir disso até hoje!).

Eu devia estar na 6ª ou 7ª série, lá nos idos de mil novecentos e oitenta e pouco. Estávamos nas vésperas da "Feira de Ciências" que acontecia todo ano na escola, e tínhamos que desenvolver um projeto de Ciências para expor na Feira. Folheando uma enciclopédia super antiga que meu pai tinha em casa, lembro de ter visto algo interessantíssimo, e fiquei com idéia fixa de apresentar "aquele" trabalho, tinha certeza de que iria "arrasar", porque nenhum dos meus colegas seria capaz de tamanha criatividade!

Neste livro que mencionei havia uma comparação do corpo humano com uma máquina, para demonstrar que assim como a máquina, o corpo funciona através de engrenagens e mecanismos que fazem com que todos os órgãos funcionem harmoniosamente. E, para ilustrar aquela "explicação metafórica", havia o desenho da "Máquina Humana", que era um tronco e cabeça recortado como se fosse um corpo "aberto", e no lugar de cada órgão, um objeto de mecanismo similar que simbolizava sua função.

Procurei então o meu queridíssimo Professor Laércio (que saudade eu tenho dele até hoje!), e expliquei minha idéia para a Feira. Lembro como se fosse hoje que ele, com aquele jeito paizão que tinha, me olhou, olhou para a figura no livro, olhou novamente pra mim e meio que tentou me dissuadir da idéia. Sugeriu que eu fizesse um cartaz com o desenho, que isso já seria bem interessante, porque achava que montar uma réplica daquela figura como eu pretendia seria um pouco trabalhoso demais, talvez mais complexo do que eu estava imaginando, enfim... em outras palavras, ele tentou tirar aquela idéia da minha cabeça, talvez preocupado com a minha frustração caso eu não desse conta do recado (realmente era algo bem elaborado para uma menina de 12, 13 anos).


Eu tinha uma relação linda com esse professor, mais que um professor de sala de aula, ele era um professor que nos ensinava grandes lições de vida, muito do que aprendi em termos de valores para levar para o resto da vida foi com ele, enfim, foi uma daquelas pessoas iluminadas que infelizmente passou pela minha vida e foi embora...


Bom, mas voltando à Máquina Humana, acabei persistindo na idéia, na minha cabeça aquilo seria um trabalho de vanguarda, que encantaria todos os visitantes da Feira de Ciências...


Eu estudava no Sesi de Carapicuíba, um "primo pobre" das demais unidades bacanas da rede Sesi. Na verdade o prédio da escola continua exatamente igual até hoje, passo sempre em frente e parece que consigo enxergar aquelas salas velhas (mas limpinhas) pintadas de um amarelo estranho, as carteiras antiquíssimas, daquelas que a mesa do aluno de trás é o banquinho do aluno da frente, sabe? (nunca mais na vida vi carteiras daquele tipo), os corredores estreitos, o banheiro do lado de fora, na quadra, bem pequeno e com portas de madeira envelhecidas e envergadas pelo tempo, o páteo pequeno, uma parte coberta com telhas velhas, vários degraus e uma quadra surrada... Era uma escola de poucos alunos, até por conta de o prédio ser bem pequeno, e por isso éramos na verdade uma grande família, todo mundo conhecia todo mundo, inclusive das outras séries, quando chovia sempre tinha alguma sala que ficava desabrigada e precisava ser realocada junto com outra turma, coisas desse tipo...


A Feira de Ciências do Sesi de Carapicuíba era, obviamente, um evento muito modesto... Poucos alunos, pouco espaço, pouca estrutura, pouca grana... Mas muito boa vontade dos alunos, isso era incontestável! E era uma das poucas oportunidades em que recebíamos "visitas de fora"... Na época, haviam umas diretoras, coordenadoras, sei lá o que elas eram, mas eram umas senhoras muito importantes na rede Sesi, que ficavam lá na Sede na Av. Paulista, e que só visitavam as unidades em ocasiões extremamente especiais... Quando essas senhoras vinham, era um movimento grande da escola, tudo tinha que estar impecável, todo mundo querendo "se exibir" para as senhoras dos cabelos vermelhos (elas usavam aqueles cabelos bem "perua", em tons variados de vermelho - vermelho rubro, púrpura, vinho, etc., numa época em que não era moda pintar o cabelo de vermelho!).


Eu sabia que na Feira de Ciências essas senhoras viriam nos visitar, e fui consumida pela vaidade... ahhh, a vaidade... Eu conseguia imaginar o rosto das pessoas fascinadas com um trabalho tão diferente... imaginava minha nota 10 reluzindo em meu boletim, imaginava as elegantes senhoras de cabelo vermelho e colares de pérolas passando a mão na minha cabeça, baixando levemente os óculos até a ponta do nariz e dizendo: "Parabéns, menina! Você fez um ótimo trabalho! Vamos levá-lo para exposição lá na Sede" (segundo as regras do Sesi na época, os melhores trabalhos de cada unidade eram enviados à Sede, na Av. Paulista, onde havia uma sala reservada para exposição dos mesmos ao público em geral, o que era o sonho de consumo de uma CDF de carteirinha como eu, lógico!).


Pois bem. Eu, a garota CDF com o péssimo defeito de fazer tudo na última hora, não consegui fugir à regra nesta ocasião. Planejei e vislumbrei muitas vezes em minha imaginação o trabalho prontinho e impecável, mas demorei pra por a mão na massa... Só dois dias antes da Feira de Ciências é que fui me mexer...


Pedi dinheiro para o meu pai para comprar uma placa de madeira (aquelas fininhas, acho que chama-se "compensado", algo assim), fui atrás de um lugar que tivesse uma placa grande do tamanho que eu precisava, custou mas encontrei. Essa placa seria recortada no formato de um corpo da cintura pra cima, sem os braços (cabeça e tronco apenas), e serviria de base para a montagem das outras peças. Também deu um trabalhão encontrar um marceneiro que topasse recortar a madeira pra mim... Lembro que "queimei sola de sapato" indo a todas as marcenarias dos arredores da minha casa, e todos me diziam que daria muito trabalho fazer aqueles recortes porque a máquina é feita para cortar em linha reta, blablabla... Mas também consegui, nem lembro como, mas algum maluco topou me ajudar e recortou a madeira... não ficou perfeito, mas dava pra entender que era uma cabeça e um tronco, então tava bom... o recheio que deixaria tudo perfeito!


Então, comecei a pensar nas peças que usaria para montar os órgãos... Duas buchas naturais poderiam ser o pulmão. Ok. Isso era fácil. Latinhas de refrigerante encapadas com papel alumínio seriam os rins. Ok. Uma bexiga semi-cheia seria o estômago. Ok. O cérebro seria uma calculadora. Ok. E assim por diante... não lembro de todas as peças, mas eram várias coisinhas criativas que no contexto geral faziam muito sentido, de acordo com o funcionamento de cada um dos órgãos...


Mas faltava um detalhe super importante: a maior graça da Máquina Humana era o movimento... Pela figura do livro, o sistema circulatório era simbolizado por um trenzinho de brinquedo, os trilhos seriam as veias/artérias, e o trenzinho se movendo seria o sangue circulando pelo corpo. Onde é que eu ia arrumar um ferrorama àquela altura do campeonato??? Em casa éramos só meninas, nunca tivemos nenhum brinquedo eletrônico desse tipo, e aí eu empaquei...


Pensei, pensei, pensei, e acabei me encorajando a pedir para os meninos que estudavam na minha classe. Poucos deles tinham um ferrorama, e quase nenhum deles queria emprestar o brinquedo, lógico! Muito menos pra mim, que sempre fui uma pessoa que "quebra as coisas dos outros" (sem intenção, eu juro, mas sou tão desastrada que já quebrei muita coisa pega emprestada, afffffff... um dia conto essas histórias!). Bom, infelizmente não consigo me lembrar quem foi o menino que topou, mas o fato é que consegui o tal trenzinho emprestado... Pronto! Eu já tinha tudo de que precisava! Estava tão feliz! Minha Máquina Humana ia arrasar, sem dúvida!


Era uma quinta-feira, véspera da Feira de Ciências, e eu lá em casa, no meio da sala, com todos esses "cacarecos" espalhados, tentando encontrar uma forma de colar as coisas na madeira... Óbvio que deixei pra última hora! Óbvio que foi todo mundo dormir e eu fiquei lá, às voltas com meu trabalho. Eu sempre levava bronca dos meus pais se ficasse até muito tarde acordada fazendo lição ou trabalhos, mas nesse dia não teve jeito... Foram muitas broncas, e uma madrugada inteira de mão na massa...


Caramba! Foi um sufoco! Lembro do dia clareando, tipo cinco horas da manhã, e meu trabalho ainda longe de estar "acabado", sendo que eu tinha que estar com ele prontinho na escola às sete! Me desesperei, chorei, sequei as lágrimas e, sabe-se lá como, consegui terminar, aos 46 do segundo tempo, literalmente! Mal deu tempo de escovar os dentes e vestir o uniforme... tive que convencer meu pai, que nessa época tinha o bom e velho fusquinha azul, a me esperar para me dar uma carona, senão eu não teria como levar o trabalho. O detalhe é que ele já estava bem zangado comigo por eu ter passado a noite em claro, de modo que estava o "maior climão" em casa logo de manhãzinha... Minha mãe levantou, brigou porque eu não tinha dormido, ficou lá falando que eu deixo tudo pra última hora, blablabla, mas no fim saímos rumo à escola.


Minha cara não estava das melhores, claro, e por alguns instantes no carro fiquei preocupada com a má aparência diante das senhoras dos cabelos vermelhos... E se elas nem chegassem perto de mim por conta da minha cara de acabada??? Será que eu estava com mau hálito??? Não! Isso não! Lembro que deu tempo de escovar os dentes... uma escovada relâmpago, mas escovei! Me deu um nó no estômago, mas eu não tinha muito o que fazer... Agora, era tentar despertar e só lembrar do sono no final do dia!


Minha irmã Silvia também estudava no Sesi, e era de uma série anterior à minha (se eu estava na 6ª, ela estava na 5ª). Chegamos na escola e o portão já estava quase fechando (no Sesi era linha dura! Se o portão estivesse fechado, só poderíamos entrar passando pela Diretoria, com autorização formal!). Na verdade já passava das 07h00, mas talvez por conta dos trabalhos trazidos para a Feira de Ciências, naquele dia o fechamento do portão atrasou um pouco, e foi a minha sorte!


Desci do carro depressa, coloquei a mochila nas costas, e com todo o cuidado do mundo peguei minha maquete, que estava no banco de trás do carro, coberta por um saco de lixo grandão preto (senão eu não teria o "fator surpresa", né?). Ela era quase maior que eu, um trambolhão enorme que era inclusive difícil de carregar, estava pesada, e quando pensei em pedir ajuda pra minha irmã Silvia, ela já tinha desaparecido portão adentro!


Meu pai, atrasado para o trabalho, se mandou! E eu fui então, cautelosamente, em direção à entrada, quase sem enxergar um palmo à minha frente, porque a maquete tampava praticamente toda a minha visão. A "Tia do Portão" me ajudou... precisou abrir as duas folhas de madeira do portão para eu conseguir passar com a maquete, e depois me ajudou também com os degraus da entrada (logo depois do portão havia uma escadinha razoável, vários degraus, e aquilo pra mim, obviamente, significava perigo absoluto!).


Logo cheguei ao páteo, onde a molecada corria pra lá e pra cá, como todos os dias... A escola estava organizada de um modo diferente por conta da Feira, e por isso estava todo mundo do lado de fora, porque não haveria aula, quem tinha conseguido chegar mais cedo já tinha colocado seu trabalho na sala correta, no lugar correto, e estava lá no páteo brincando até a hora da exposição começar.


Eu estava meio perdida, na verdade não sabia onde o Professor Laércio colocaria a minha Máquina Humana, em qual sala, enfim, não sabia pra onde levar meu trambolho, então dei uma circulada como pude à procura de alguém que pudesse me orientar melhor, um professor, uma funcionária, qualquer coisa do gênero... Maldita hora que eu resolvi dar essa "circulada"... Até hoje me pergunto por que raios não entrei na escola e larguei a Máquina Humana em qualquer sala, até decidir onde ela iria ficar... Vai entender, né... acho que meu apego à minha obra de arte era tão grande que eu não conseguia me separar, nem me ocorreu deixá-la em algum canto para poder resolver essas questões de ordem prática, simplesmente saí carregando aquele troço maior do que eu pela escola, como se estivesse carregando um pedaço de papel!


Estou eu lá, no meio do páteo coberto, olhando para um lado e para o outro tentando domar o sono e manter o auto-controle, quando avistei alguém... Virei o corpo para rumar na direção de quem poderia me ajudar (acho que era algum professor, sei lá), e fui caminhando em direção à parte descoberta do páteo, onde havia uma mureta em que todo mundo se encostava...


De repente, o chão simplesmente sumiu sob meu pé... Tive a impressão de que algum fenômeno geográfico estava acontecendo, algum terremoto, sei lá, porque dei um passo e não encontrei o chão... Como assim??? O chão estava ali agora mesmo!!! Aliás, se meu pé de apoio continuava pisando em um chão bem firme, e como é que o outro podia não estar encontrando a mesma "terra firme" com o outro pé???


Só senti o peso do meu corpo pendendo todo para um lado onde o meu ponto de gravidade não era capaz de controlar... Na verdade, eu estava tombando... pra frente!!! Tentei recuperar o equilíbrio, impulsionei o corpo o máximo que pude na direção contrária, pra trás, mas não deu certo... Lembrei que estava com a Máquina Humana equilibrada sobre os braços, e no mesmo momento em que lembrei disso, ela pulou das minhas mãos...


Ouvi um barulhão da madeira batendo no chão e se quebrando... Ouvi um barulhão das inúmeras pecinhas de todo tipo de material usadas para representar os órgãos se misturando umas às outras... Incrédula, chacoalhei os braços agora livres como se fossem asas pra tentar derradeiramente recuperar o equilíbrio, mas dessa vez nem mesmo meu pé de apoio conseguiu encontrar a "terra firme"... Fui arremessada ao chão de barriga (consegui levantar a cabeça pra não cair de cara), tendo aterrizado sobre o saco preto grandão de lixo que abrigava o que havia sobrado da minha maquete..


De repente, doeu tudo... De repente, o tempo voltou a correr na rotação normal (durante o tombo, parecia que tudo estava acontecendo em câmera lenta), e de repente voltei a escutar o som à minha volta... Dessa vez, não era mais aquela algazarra de moleque correndo atrás de moleque... Dessa vez, eram risinhos, risões, gargalhadas, cada vez mais altas, abafadas por conta da rodinha que logo se formou ao redor do meu corpo estirado no chão, sobre o saco de lixo grandão preto.


Reagi à melhor maneira "Flávia": Abri o bocão e comecei a chorar, e fiquei lá, estirada sobre os frangalhos da minha maquete, chorando copiosamente... Alguns instantes depois a alma piedosa de algum professor apareceu para espantar a rodinha ao meu redor e me resgatar daquele que foi sem dúvida o tombo do ano na escola!


Lembro de ter visto minha irmã com cara de "" - Quando ela comenta esse episódio, diz que algumas crianças foram atrás dela e disseram: "Silvia, sua irmã tá lá no páteo, chorando, de novo!"... Ela era mais nova do que eu, e na verdade devia ser um saco ser irmã da "menina-tombo" da escola... ela ouviu essa frase muitas vezes, perdeu a conta de quantas vezes a procuraram pra dizer: "Sua irmã está chorando lá no páteo!"... Os papéis eram meio invertidos, né, porque a mais velha era eu, mas também era a mais mole, e quem acabava sempre me acudindo era a minha "irmãzinha"...


Só lembro de ser levada para a Diretoria, onde deram uma examinada em mim pra ver se eu não tinha nenhum machucado mais grave... Lembro de não parar de chorar, apesar das vozes adultas dizendo: "Não fica assim, nem machucou tanto!"... O que eles não entendiam era que eu não estava chorando por conta dos arranhões, desses eu nem lembro, estava anestesiada demais pra sentir a dor... Eu chorava mesmo era por causa da minha Máquina Humana!!! Ela estava destruída, já era, não havia conserto... Eu olhava para o sacão de lixo preto desmilinguido e chorava, chorava...


Chegou o Professor Laércio, ficou lá tentando me acalmar, e eu chorando, chorando... Depois de muitos soluços de fungadas, eu conseguia pronunciar algumas palavras, meio gaguejando:
"Professor, mas o meu trabalhooooooooooooooooo... buááááá"... E o professor dizia pra eu não me preocupar, que ele tinha certeza que tinha ficado lindo... Daí eu dizia:
"Mas, Professor, você nem viuuuuuuuuuuuuuuu... buááááá"... E o professor dizia que não tinha problema, que eu tinha feito e isso era o bastante... Daí eu dizia:
"Mas, Professor, eu vou tirar zeroooooooooo... buáááá"... E o professor dizia que eu tiraria a nota máxima, porque tinha feito o trabalho, que eu não precisava me preocupar que não ia ficar sem nota... Daí eu dizia:
"Mas, Professor, eu não vou ter trabalho pra apresentar na feiraaaaaaaaaa... buááááá"... E o professor dizia pra eu me acalmar, que ele daria um jeito...


Foi um diálo assim, difícil... poucas palavras pronunciadas entre muitos soluços, fungadas e mais buááááá... O professor sem saber mais o que fazer pra me consolar, os outros alunos todos alvoroçados do lado de fora da sala dos professores doidos pra saber o que tava rolando, e eu lá, desolada... O mundo não tinha visto a minha Máquina Humana... que frustração!!!


Demorou um bocado pra eu conseguir recuperar o controle... Ainda estava chorando, mais comedidamente... Criei então coragem de abrir o sacão de lixo preto pra ver o que tinha sobrado da maquete, e um frio assustador percorreu minha "espinha" quando lembrei do ferrorama do menino! Meu Deus! Ainda havia mais estrago! Além de tudo eu ainda teria que pagar um ferrorama para o menino!!! Afffffffff... Foi difícil manter o controle e não voltar ao choro compulsivo! Meus pais iam me matar! Literalmente! Eles nem sabiam que eu tinha pego um brinquedo tão caro emprestado!


Fui abrindo o pacote lentamente... Que medo de encontrar destroços do ferrorama! A essa altura, de alguma forma a frustração pela quebra da Máquina Humana já estava superada, pois a questão mais grave naquele momento passou a ser o brinquedo do menino! Deus! Eu estava ferrada! FERRADA! Alguém apareceu e me ajudou a mexer nos destroços. Operação rescaldo iniciada...


Encontrei o primeiro trenzinho inteiro! Quase tive um troço! Estava inteiro! Logo depois visualizei a locomotiva, também intacta! Eu mal podia acreditar! Gente, esse brinquedo é realmente muito resistente, pensei! Mais algumas partes, todas inteiras... Eu mal podia acreditar... do choro copioso eu já tinha vontade de soltar uma gargalhada estrondosa, porque o ferrorama do menino estava salvo! Certifiquei-me de que todos os trenzinhos haviam sido resgatados... Parti então para o resgate dos trilhos, e quase todos estavam inteiros também... tinha umas 3 ou 4 partes retorcidas, e uma na verdade quebrou mesmo... Me preocupei um pouco, mas pelo menos 90% do brinquedo estava salvo, e diante da catástrofe isso era um saldo positivíssimo!


O Professor Laércio me surpreendeu com um sorriso esboçado no rosto, e disse: "Que bom que você já se recuperou, porque já tenho um trabalho pra você na Feira!"... Virei pra ele com cara de interrogação e ele disse: Vem comigo!


Me levou pra uma das salas de aula onde estavam expostos vidros com fetos no formol, material que tinha vindo de uma outra unidade do Sesi para incrementar a nossa Feira. Parou em frente aos fetos e me disse: "Esses materiais não seriam apresentados, ficariam apenas expostos com o texto ao lado, mas já que você está sem trabalho pra apresentar, vai ficar responsável pela parte dos fetos então!"... Eu sorri, mas logo perguntei, preocupada: "Mas, professor, nós nem tivemos essa matéria ainda, eu acho que não vou saber explicar...", no que ele me interrompeu: "Então é melhor você se apressar, o material que você precisa ler está aí, estude um pouco antes da abertura da feira e tenho certeza que você vai tirar de letra!". Passou a mão na minha cabeça, deu aquele sorrisão típico e me largou lá na sala semi-escura com os fetos e os restos do ferrorama do menino numa sacolinha... E os textos sobre a origem da vida, que eu mais do que rapidamente comecei a ler...


Logo começou a feira, e a sala dos fetos fez muito sucesso, era também uma novidade na nossa escola pobrezinha... Eu fui tomando gosto pela coisa, e de repente já dava explicações sobre os estágios de gestação de cada um dos fetos como se estivesse falando de algo que eu conhecesse profundamente... Num determinado momento, já tomava aquilo como um trabalho meu mesmo, já estava dominando completamente o assunto, e quase nem lembrava mais do fiasco da máquina humana...


As senhoras elegantes de cabelos vermelhos e colares de pérola vieram, e passaram pela minha sala. Pararam para escutar a minha explicação entusiasmada, e eu consegui até ganhar o elogio que tinha visualizado em meus sonhos anteriores! Não foi exatamente como eu imaginei, claro, não havia trabalho autoral para ser levado para exposição na Sede, mas de qualquer forma elas me ouviram, me deram parabéns, e foi reconfortante...


Vez por outra o Professor Laércio passava pela sala e me dava umas piscadelas de aprovação, e isso me dava mais confiança. Minha mãe foi na Feira, e não entendeu muito bem o que eu estava fazendo com aquele tema, mas ficou tão fascinada pelos fetos reais que estavam expostos que nem me fez mais perguntas (só veio a saber do episódio bem depois, e ficou consideravelmente brava!).


Ah, o ferrorama do menino? Bem... Eu devolvi os 90% que se salvaram, ele disse que ia contar pra mãe dele pra saber o que teríamos que fazer (se eu pagaria os trilhos quebrados), mas acho que ambos ficaram com pena da minha catástrofe, e ficou tudo por isso mesmo...


No fim das contas, tive um dia bem legal na Feira de Ciências da escola... Acabei aprendendo bastante sobre a formação da vida, sobre gestação, etc., meio sem querer, graças à minha vontade de participar apesar de tudo... Seria matéria do ano seguinte, e eu fiquei expert em poucas horas!


Minha média de ciências no bimestre foi 10... Dez pelo trabalho que o professor nem viu, e Dez pela apresentação... Os machucados do tombo sararam rápido, e hoje restou apenas uma recordação deliciosa de um episódio que, como eu disse no começo, seria trágico, se não fosse cômico!


Ainda bem que estou aqui até hoje pra contar a história e, vendo tudo sempre pelo lado positivo, rir das minhas próprias trapalhadas! Essa foi só uma das muitas... aguardem!!!

7 comentários:

Anônimo disse...

Puuuuuuuuuuuuta merda heim Flavia? ahauauhuahuahua como ce consegue? que bosta ahuahuauhahauha


Eu sempre gostei muito de fazer trabalho.
Sempre fui metidaaaassa com escola, modestia a parte, meus trabalhos eram de fuder com os outros...rs
Quando eu precisava dar uma massageada no ego, eu fazia tudo sozinha... mas quando eu tava bem na minha, eu deixava pessoas entrarem no meu trabalho... nao era eu que entrava no trabalho dos outros, e sim entravam no meu sabe?
Sério, nunca consegui fazer coisinhas...eu tinha que ocupar uma sala TOOODA... uma vez fiz um trabalho sobre mata atlantica, eu fiz meu grupo cobrir minha sala INTEIRA de papel verde escuro e depois forrar a sala INTEIRA com folhas e galhos... comprei cd de sons de agua, passaros, onça, consegui emprestado com um colegio bichos empalhados, nossa, fiz um aueeeeeee....
Meus trabalhos eram sempre nessas proporções... sempre eu pedia pra ocupar uma sala toda, fazia lembrancinha, sempre tinha alguma coisa que fosse o melhor trabalho auauhauhauhuhau imagina se eu nao era odiaaaaaaaava né? ahahahha mas nem ligava
E eu fazia o trabalho meeeses antes da data... saia sempre tudo perfeito... varios trabalhos foram pra delegacia de ensino.. muito bacana! (*ps: fiz um vulcao de 2 metros uma vez auhuhauhauhauha)

Jacke Gense disse...

Oi Flávia!!
Como sinto saudades do grande prof. Laércio... era muitooo mais que um professor... acho que hoje já não existe professor com ele!!!
Mas que feira de ciências complicada esta hein? Lembro de um trabalho que tivemos que dessossar uma galinha e depois montá-la.... lembro de um grupo que montou uma galinha perfeita..rss a minha não saiu nem da carne...

Bons tempos!

BJS

Vanessa disse...

Que shit hein Flavinha, rs
Nunca me liguei nessas coisas de fazer trabalho em grupo, nem em colégio e nem na faculdade. Sempre preferi fazer minhas coisas sozinhas, pq qdo ia com a galera sempre me ferrava, fazia tudo sozinha, então preferia mil vezes estar só pq dava no mesmo.
Brigadinha pela visita ok? Pela lembrança do meu niver, da prova (que depois eu te conto) e vamo agitá sim pra gente se encontrar, vc, a Fê e eu.
To liberada pra cervejinha, viu lá no blog? rs
É Flavinha, falta pouco e estou louca pra conversar com vc tb, mil e uma dúvidas sabe?
beijocas e beijocas da Van

Dona Farta disse...

*** Comentário deixado no meu Orkut pela minha amiga Tina ***

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Maristina:
Flávia, você é muito engraçada, não consigo te imaginar chorona..... realmente a história da má- quina humana é demais e suuuuuuper frustante, mas o que me fez morrer de rir mesmo foi o "pavê de bolê" ,cara que engraçado rsrssr
Beijos

Dona Farta disse...

*** Comentário deixado no meu Orkut pelo meu amigo Elieser ***

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Elieser:
eu acabei de ler e me decepcionei um pouco...achei que a historia seria aquela da GRETCHEN INFANTIL SEMI OBESA E O PIRIPIRIPIRIPIIRI..........ACHO QUE VC DEVERIA PENSAR SERIAMENTE EM LANÇAR UM LIVRO DE CONTOS...BEIJOS

Arthur disse...

hahahahahahahahahah Muito, muito bom, prima!
Esse é o primeiro dos posts que vc me recomendou que leio, e já começo com o pé direito!
Cara, desculpa falar isso, mas é reconfortante para mim ver alguém mais desastrado que eu. Será que é um troço genético isso? Depois vou até postar sobre meus desastres... rs
Ah, e como você, sou uma pessoa caótica. Adorei esse termo para me definir! Vc viu a correria da minha monografia, né? Acredita que tenho que entregar o texto final ate o começo de março e ainda não voltei a mexer no que tinha escrito? Ai, meu Deus... mais umas madrugadas sem sono. Como vc, ja perdi a contas de quantas madrugadas esse diploma me custou!
Bjs 1000 pra vc!

Saulo disse...

Blog bom é esse blog que tem coisas legais para ler, =)